Mesmo durante os anos da Grande Guerra Pátria (1941-1945), o mundo dos livros continuou sendo muito especial na União Soviética. Ainda com os combates, a devastação e a fome, as pessoas liam muito, e novas bibliotecas eram continuamente inauguradas. Só na unidade federativa de Moscou, 200 novosestabelecimentos do gênero foram abertos no período. 
“Com a guerra, o bibliotecário passou a ter novas responsabilidades. Por exemplo, se a biblioteca era atingida por um projétil, ele tinha que selecionar todos os livros que não haviam sido danificados e encaminhá-los a outras instituições”, conta Elena Arlánova, curadora da exposição “Vitória: histórias não inventadas”. 
Na biblioteca Tchernichévski, em Moscou, a exibição apresenta mais de 300 títulos publicados entre 1941 e 1945.
A mostra traz informações curiosas ao visitante. O fato de muitas edições do período terem saído em formato de bolso, por exemplo, não era pura coincidência, mas uma forma de facilitar a leitura pelos soldados em campo.
Seguindo essa fórmula, uma coleção de citações do chefe militar russo Aleksandr Suvorov (1730-1800), exibida na biblioteca, encaixava-se perfeitamente no bolso ou na mochila. 
Para Arlánova, a escolha pela edição de “Preceitos de Suvorov” na época não se deu por acaso. “Um amigo meu veterano costuma dizer que não foram os artilheiros ou os tanquistas que ganharam a guerra, mas os instrutores políticos que preparavam os soldados para a batalha, ao ajudá-los a manter disposição e estado de espírito adequados.”

Política e jardinagem
A literatura publicada então era muito diversificada. De um lado, havia obras filosóficas e políticas: “Diplomacia”, de Harold Nicolson; “A Paz” de André Tardieu; “História da Filosofia em dois volumes”; títulos do diplomata Otto von Bismarck e do filósofo Plutarco; algumas obras sobre a invasão francesa à Rússia em 1812 e sobre os confrontos entre tribos eslavas e germânicas. 
Também foram publicados diversos clássicos, russos e estrangeiros: Shakespeare, Púchkin, Dante, Górki, Dickens e Tolstói. 
Além disso, outras publicações surpreendiam pela temática aparentemente desnecessária para aqueles anos, como era o caso de “Jardinagem Ornamental” e “Caça”, volumes da Grande Enciclopédia Soviética, um álbum artístico do pintor russo Karl Briullov e um livro sobre fundamentos da composição musical, além de partituras de compositores clássicos como Glinka, Rímski-Kôrsakov eRachmaninoff.

Conversação como arma
Além de livros de viés militar e político, a época exigia a publicação de dicionários e guias de conversação. Afinal, o Exército soviético estava se deslocando e chegava a novos países, onde precisava se comunicar com a população local. 
Uma grande quantidade de publicações do gênero foi impressa e, por meio delas, pode-se até esboçar a movimentação do Exército soviético: dicionários polonês-russo, romeno-russo, turco-russo, japonês-russo etc. 
Também era editada literatura nas línguas dos povos da URSS. Assim, as populações das repúblicas podiam ler nas línguas nativas e os russos podiam conhecer as culturas daqueles que lutavam a seu lado, ombro a ombro. Mais de uma dezena de editoras continuava em funcionamento. Muitas foram evacuadas para a retaguarda, mas continuavam a produzir livros.

Livros contra o MP3
Para o especialista em literatura militar Boris Leonov, a guerra trouxe muitas novidades literárias e conferiu valor ainda maior aos livros.
“Esse período nos presenteou com toda uma categoria de literatura militar que se tornou clássica e serviu de base para as futuras obras do século 20. Surgiram muitas obras poéticas, romances e histórias sobre a guerra. Parte dessas foi impressa durante nesses anos”, disse Leonov à Gazeta Russa.
Já os bibliotecários, passaram a exercer uma função quase de pregadores. “Os funcionários das bibliotecas começaram a ir às trincheiras que estavam sendo cavadas para ler em voz alta para quem trabalhava nelas. Eles também o faziam em hospitais”, diz Arlánova.
“Hoje, isso já não é mais possível. As pessoas passam a maior parte do tempo ouvindo MP3 e assistindo a filmes. O livro deixou de ser a base da cultura”, diz Leonov.

Da embaixada russa no Brasil.
Enviado por Eri Santos Castro.
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