PANORAMA
Esta quarta-feira é um dos dias mais importantes, desde 2005, na análise da cobertura midiática sobre o julgamento do mensalão. Além da importância histórica, traz dados relevantes sobre a votação, hoje, da aceitação dos embargos infringentes.
De que forma é retratado Zé Dirceu, após entrevista coletiva em São Paulo?
E como os jornais se comportam no dia de uma decisão cujos efeitos irão muito além desse julgamento específico?
Como veremos, a Folha ganha um protagonismo, na linha “morde e assopra”: um editorial cuidadoso, em relação aos infringentes, e uma capa das mais antipetistas dos últimos anos.
UMA EDIÇÃO PLANEJADA
Dirceu está na capa da Folha e do Estadão. Obteve espaço, como era de se esperar.
Ocorre que o jornal dos Frias faz uma edição calculadamente sórdida. A chamada de capa diz: “Fui alvo de ódio e de inveja da elite, afirma Dirceu”. Ao lado, que foto?
A foto do subsecretário de Segurança Pública da Bahia atirando em manifestantes do MST. Com exatamente o mesmo tamanho para a chamada da entrevista de Dirceu. Em discurso visual claro, o de que o PT defende as elites, em tentativa de desqualificar toda a fala do ex-ministro. (Há um detalhe adicional: as duas chamadas compõem um conjunto maior com a manchete, que trata da saída do número 2 do Ministério do Trabalho.)
Em tom bem menos descarado, o Estadão publica uma foto bem grande do político, abaixo do seguinte título: “STF retoma mensalão; Dirceu faz ataque”. Ataque, e não defesa. Na legenda, resumo de uma das suas frases: “Sou responsável por erros, mas não pelos que me acusam”. Perto da edição da Folha, essa edição chega a ser positiva.
Na página interna, a A6, outro tom. O jornal dos Mesquita publica um texto correto, respeitoso, do repórter Pedro Venceslau. A página oferece um resumo razoável da fala do ex-ministro, proporcional à sua importância política. Com direito até a uma entrevista com a cineasta Tata Amaral, que prepara documentário sobre Dirceu.
O ‘VILÃO’ E A SUA DIMENSÃO
A cineasta faz pergunta relevante, que o jornal reproduz em título: “Como Dirceu se transformou no vilão da República?”. (O filme se chamará Vilão da República.)
Em relação ao filme de Tata, a Folha faz um registro protocolar, gélido. Sem atentar para a importância da obra do ponto de vista cultural (como fez seu concorrente), e não somente político. O texto feito a partir da entrevista de Dirceu também tem contornos burocráticos, em péssimo “folhês” (parágrafos minúsculos, numa espécie de horror à linguagem escrita), como se não fizesse parte de um momento histórico importante e não tratasse de um personagem relevante.
Note-se que desde a semana passada, com a cobertura da sessão de quinta-feira, quando o ex-ministro reuniu amigos em sua casa, são os jornais paulistas que dão destaque a Dirceu. O Correio Braziliense, hoje, ignora tanto a entrevista como o julgamento, em sua capa. O Globo prefere destacar o julgamento – com a sua torcida contra os embargos infringentes manifestando-se no destaque para opinião de Gilmar Mendes.
REFLEXÃO SOBRE O RIDÍCULO
Essa torcida se manifesta também na página do próprio Estadão sobre o julgamento. O jornal destaca somente frase de Mendes contra os embargos infringentes. Falando em “senso do ridículo”. Não há um equivalente para um defensor desses embargos.
Abaixo desse texto, porém, sobre a divisão no STF em relação à possibilidade de “novo julgamento”, há uma informação importante em relação aos infringentes. Título: “Procuradoria-Geral muda de posição em relação a esse recurso”. A outra chamada também é representativa: “Texto aprovado por Gurgel em 2011 não contestava possibilidade de novo julgamento em ação penal no Supremo”.
O lead também merece ser mencionado:
- O mesmo Ministério Público que agora defende a rejeição de novo julgamento para réus do mensalão condenados por placar apertado admitiu, há dois anos, que o recurso existe.
(ANÁLISE: terá sido o MP “ridículo”, na época? Texto para repercussão.)
Em texto específico sobre os infringentes (e de novo com ultradidatismo), a Folha informa, no último parágrafo, que a expectativa para a votação sobre a viabilidade dos recursos é a de um placar de seis a cinco ou de sete a quatro.
O EDITORIAL ‘PONDERADO’ DA FOLHA
O discurso explícito (como em editoriais) não é o único, como sabemos e como vimos no caso da capa da Folha. Mas, ao menos em seu principal editorial, o jornal se contém e busca adotar um tom magnânimo em relação à votação dos embargos infringentes. “Julgar serenamente”, diz o título. (Note-se que o jornal foi tudo, menos sereno, em sua primeira página.)
O texto começa dizendo que há pressa, “por certo”, em encerrar o julgamento do mensalão.
Para o jornal, há argumentos consideráveis tanto para a aceitação quanto para a rejeição desse recurso. Joaquim Barbosa teria resumido estes últimos “com clareza e contundência”, na semana passada. “Parece insólito que o mesmo órgão volte a debater matéria sobre a qual já se definiu”, diz o editorial.
Em contrapartida, e mais à frente, a Folha afirma que a defesa dos réus invoca teses igualmente persuasivas. “O próprio Joaquim Barbosa, em decisão anterior, rejeitara embargos infringentes baseado apenas no fato de que não se verificara o mínimo de quatro votos discordantes”, relata. E chega a escrever o seguinte parágrafo:
- Como aceitar, por outro lado, que a mera omissão do tema na lei --sem revogação explícita do dispositivo-- resulte em prejuízo dos direitos de um réu? Por maior que seja o ímpeto condenatório num processo que dura há tanto tempo, os direitos dos cidadãos em geral estão em jogo nesse debate.
O editorial observa que, do ponto de vista político, a rejeição aos embargos infringentes fortaleceria a tese a de que o julgamento teve características de exceção, “movido por paixões partidárias e sanha vingativa”. “Algo que, vale repetir, esta Folha não incorpora”, diz a Folha.
(ANÁLISE: quem assistia ao programa humorístico de Jô Soares, nos anos 80, talvez se lembre de um personagem chamado Múcio. Ele concordava com tudo, com posições diametralmente opostas, e ao mesmo tempo. Concordava até com quem o chamava de Lúcio. “Lúcio, Lúcio, isso mesmo”. Esse editorial poderia levar a assinatura de Múcio.)
O GLOBO OUVE ESPECIALISTAS
O Globo faz um texto que aponta a tendência de que novos embargos declaratórios sejam recusados. E, ao contrário do que os jornais vinham repetindo nas últimas semanas, não crava o mesmo em relação aos infringentes. O jornal faz algo que deveria ter sido mais feito na cobertura sobre esses recursos: ouvir especialistas. Mas valoriza mais quem tentou adivinhar o resultado do que aquele com avaliações técnicas.
Primeiro caso: Oscar Vilhena (Direito-FGV São Paulo). Ele diz que a decisão desta quarta-feira deve ser o capítulo final do caso. Segundo o jornal, ele se mostra cético ao comentar o desejo de Zé Dirceu de recorrer às cortes internacionais. Ele acha que, por uma pequena maioria, os ministros vão recusar os embargos infringentes.
Segundo caso: Thiago Bottino (FGV Direito Rio) prefere não arriscar qual será a decisão do STF. Ele considera necessário que os embargos sejam conhecidos e apreciados:
- Penso que eles deveriam ser conhecidos e julgados. Acho que existe uma dúvida razoável. Na apreciação dos embargos de declaração, o próprio STF admitiu ter corrigido erros em um caso julgado por ele mesmo. Por isso, para evitar erros, penso que seria razoável conhecer os embargos infringentes.
Professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Borba Casella “concorda com Vilhena Vieira”, segundo o jornal carioca. Mas, sobre recursos internacionais, ele emite opinião difícil de imaginar na fala de Vilhena: “Essa tática dos condenados me parece ter apenas um propósito: criar um fato político e dizer que o assunto ainda está sub judice”.
Os três consideram que, caso os embargos sejam aceitos, é provável que o julgamento dure menos tempo do que o de 2012.
NO VALOR, ELEIÇÕES
O texto do Valor sobre a entrevista de Dirceu destaca a eleição de 2014. Ela “será o balanço dos últimos 30 anos”, conforme ele diz no título. O jornal reproduz várias frases do ex-ministro. E um trecho inteiro sobre esse tema:
- O país tem novas demandas. Felizmente, a juventude brasileira tem novos sonhos, aquilo que está se dizendo, 'novos direitos sociais dizem respeito a direitos públicos e universais na saúde, na educação, na mobilidade e no acesso ao lazer e cultura'. É um desafio para os novos governos. O atual, da presidente Dilma e os novos que virão a partir de 2014, que será uma eleição que vai, de certa maneira, fazer um balanço dos últimos 30 anos no Brasil.
O texto mantém – o que é positivo para o réu – a perspectiva histórica adotada por Dirceu. Ele fala de “como vamos avançar nos próximos 10 anos", por um lado, e por outro da chegada de sua geração ao poder "como produto de uma luta social contra a ditadura”.
Note-se que o ex-ministro também discorre sobre as manifestações populares recentes. Que mostram, segundo ele, uma crise de representatividade e legitimidade: “O sistema político no Brasil é dominado pelo dinheiro, pelo poder econômico".
Trecho relevante, ignorado pelos demais jornais:
- A questão financeira é fator decisivo no processo eleitoral e cobra seu preço, diz o ex-ministro. "O sistema é muito desequilibrado, o poder econômico cada vez mais induz muito a busca do financiamento privado via [irregularidades em] emendas parlamentares, licitações, via nomeações dirigidas para cargos importantes do governo, o que traz todos os problemas que o país tem enfrentado".
MAIS SOBRE O JULGAMENTO
BERGAMO DESTACA VOTO DE CELSO DE MELLO EM ABRIL DE 2012
Três notas na coluna de Mônica Bergamo, na Folha, merecem ser lidas na íntegra. E repercutidas:
TOGA JUSTA
Ao decidir sobre embargos infringentes numa ação penal, a AP 409, em abril de 2012, o ministro Celso de Mello, do STF, escreveu: "A cláusula regimental em questão foi recebida pelo vigente ordenamento constitucional, achando-se, por isso mesmo, impregnada da plena validade e eficácia jurídicas". O texto integra a jurisprudência da corte e deve ser invocado hoje, por advogados e magistrados, na sessão que decidirá se tais embargos valem no mensalão.
TOGA JUSTA 2
Mello pode ser o voto decisivo, caso haja empate entre os demais ministros. Ele será o último a dar o seu parecer na questão, que pode reabrir parte do julgamento. Declarando-se a favor dos infringentes logo nas primeiras sessões do mensalão, o magistrado passou recentemente a uma fase que definiu como "reflexiva" sobre o tema.
TOGA JUSTA 3
Na ação citada, a AP 409, o Ministério Público Federal opinou que os infringentes não deveriam ser aceitos no caso pois não havia "quatro votos divergentes pela absolvição do acusado, conforme exige o parágrafo único do artigo 333 do regimento [o que prevê os embargos]". O STF concordou. A condenação foi mantida.
... E O PAINEL, FALA DE LEWANDOWSKI SOBRE ‘TRIPLO CARPADO’
Seguem, também na íntegra, duas notas no Painel (da Folha):
Tréplica O ministro Ricardo Lewandowski, defensor de que cabem embargos infringentes no mensalão, contesta jurisprudência levantada por colegas do STF contrários aos recursos.
Ginástica "Como a súmula 211 não trata de ação penal originária, a 294 e 597 cuidam de mandado de segurança, a 368 de reclamação e a 293 e 455 de matéria constitucional, aplicá-las ao julgamento dos infringentes criminais seria, como já se disse no plenário, dar um salto triplo carpado hermenêutico".
ZÉ DIRCEU
-> a coluna de Mônica Bergamo, na Folha, informa de modo sucinto que Zé Dirceu desmobilizou os amigos que iriam à sua casa hoje para ver a sessão do STF.
FRASES
“Fico indignado quando dizem que vou sair do Brasil, que vou fugir. Minha luta sempre foi o Brasil”. (Zé Dirceu.)
“Não se iluda, minha natureza é política. Vou continuar sendo sempre o Zé Dirceu, militante do PT”.
“Evidentemente cometi muitos erros. Sou responsável por muitos desses erros. Mas não do que me acusam. Jamais”.
“Não se iluda, minha natureza é política. Vou continuar sendo sempre o Zé Dirceu, militante do PT”.
“Evidentemente cometi muitos erros. Sou responsável por muitos desses erros. Mas não do que me acusam. Jamais”.
Sugestão de pauta: Maria Alice.
Enviado por Eri Santos Castro.
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