15 de jul. de 2013

EDITORIAL DO JORNAL VIAS DE FATO: Os protestos e uma agenda popular no Maranhão


        A origem do jornal Vias de Fato é um movimento chamado Vale Protestar, que ocorreu em 2006, era aberto e juntou comunicadores, artistas e militantes sociais, associando teatro de rua com crítica política. Nossa ação, na época, influenciou diretamente o Xô Rosengana, uma grande campanha popular, ocorrida às vésperas de uma eleição e que levou o nome de uma das personagens de nossa ação teatral. Impossível não lembrarmos daquele momento, ao ver milhões de brasileiros nas ruas, neste junho de 2013, onde o nosso país entrou numa grande convulsão social, num evento que oxigenou a política nacional.
        Vivemos um momento de grande aprendizado. O que é evidente para alguns, vai ficando claro para muitos outros. É preciso participação e pressão, para que qualquer governo trabalhe bem. E uma das formas mais eficientes de fazer isso é nas ruas e praças públicas. É na passeata, na ocupação, no protesto! Neste ponto, toda esta mobilização nacional, foi, sem dúvida, um grande processo de educação e formação política. E os resultados foram vistos. Os chamados poderes constituídos (e a grande imprensa) ficaram de joelhos, diante da sociedade. Este foi o grande gol do Brasil em 2013, durante a rebatizada “Copa das Manifestações”. 
         Hoje, muitos começam a entender (inclusive alguns mais velhos) que uma democracia não se encerra no voto ou nas chamadas instituições “democráticas” e “representativas”. É necessário um processo permanente de participação e controle social, desatrelado do Estado. E esta é uma ideia de esquerda, apesar da direita brasileira, neste processo atual, estar feito louca, querendo tomar conta da festa ou tirar proveito dela.
      Falando da direita brasileira, durante este processo de mobilização, através de sua mídia conservadora (Globo, Veja e cia.) ela repetiu, como uma espécie de mantra, o discurso do “vandalismo”, todas as vezes que a indignação se exacerbou. Ora, ora! Violência muito maior é provocada rotineiramente pelo sistema político brasileiro, que nega direitos fundamentais a boa parte da sociedade. Esse é o verdadeiro “vandalismo” no Brasil! Um quebra-quebra aqui, outro ali, é mera consequência deste cenário maior. Afinal, violência gera violência. E não existe paz sem justiça social.  
       E agora, quando setores da classe média vão às ruas, lutar pelo que querem, lembramos também da trajetória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).  Em respeito à história recente do Brasil, achamos que é importante registrar que a partir da década de 1990, após o Impeachment de Collor, foi o Movimento Sem Terra quem promoveu, em nosso país, os maiores movimentos de massa e as principais mobilizações. E sempre satanizado, covardemente perseguido e criminalizado pela policia, por muitos governos, pela mídia elitista (Globo, Veja e cia. novamente) e por setores desta mesma classe média. As ocupações de terras, de estradas e de outros espaços públicos, nada mais são que uma forma legítima e necessária de pressão, num país onde a elite sempre teve mecanismos, muito eficientes, para parasitar o Estado e mantê-lo sob o seu cabresto.
      Muito se falou, nestas últimas semanas, sobre a crise de representatividade no Brasil. Ela é evidente e não nasceu neste ano. A maioria do povo brasileiro não se sente representada no Legislativo, nem amparada no Judiciário, ou bem servida pelo Executivo, num cenário onde os mecanismos de controle social, na prática, não funcionam ou funcionam muito mal. O grito que ecoa atualmente nas ruas do Brasil é contra esse sistema, que mantém enormes privilégios e profundas desigualdades. Não adianta mais falar só de bolsa! O povo quer mais! A fome é bem maior! Quem sustenta o Estado exige serviço público de qualidade, quer saúde, educação, transporte etc. Quer dignidade e respeito! Em outras palavras, no capitalismo selvagem do Brasil, aqueles que pagam a conta, resolveram abrir a boca, exigindo o trabalho bem feito.
          No caso do Maranhão, nós tivemos, apenas em São Luís, num espaço de duas semanas, algo em torno de 30 manifestações. Muitas tratando de sérios problemas comunitários, algumas ligadas com a agenda nacional (mobilidade urbana, fim da PEC 37, pelo combate a corrupção e a homofobia etc.) e outras, tratando dos terríveis dramas camponeses. Nas duas maiores mobilizações ocorridas na capital maranhense, ambas com mais de 10 mil pessoas, o grito que uniu os manifestantes foi: “Sarney, ladrão, devolve o Maranhão!”. Um imenso coro, repetido exaustivamente, puxado e ampliado por milhares de jovens. E foi interessante ver essa meninada tomar esta posição, sem estar a reboque de lideranças políticas, partidos ou organizações tradicionais. Sem querer negar a importância destes outros atores políticos, consideramos saudável a iniciativa dessa rapaziada.
         O Maranhão, como é do conhecimento geral, é o mais empobrecido, flagelado, sucateado e violentado, entre todos os estados brasileiros. Marcado por uma estúpida concentração de terras, trabalho escravo, pela impunidade generalizada, com inúmeros crimes ambientais, com sua capital cercada de merda e esgoto, onde o crime organizado (o assalto ao dinheiro público) se alastra pelo Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e pelos grandes meios de comunicação (Sistema Mirante e cia.). Enfim; como já dissemos aqui várias vezes e vamos continuar repetindo: o Maranhão é o lugar onde a máfia tomou conta da política, criando a “indústria da miséria”, termo surgido na entrevista que fizemos, no mês passado, com o professor Marcelo Carneiro (UFMA), com a participação de Wagner Cabral, também professor da UFMA (a entrevista está no site www.viasdefato.jor.br). 
         É óbvio que o Maranhão, mais do que qualquer outro lugar do Brasil, precisa de mudança! E este clima de protestos pode (e deve) ajudar neste processo. Derrotar nas urnas o senador José Sarney e seus candidatos é fundamental! Mas não é tudo. É necessária uma agenda social, popular, que aponte para outro Maranhão. Uma agenda pública - criada pela sociedade - indicando um caminho para a decantada mudança. É importante juntar a pauta e a energia política que vêm das ruas e das redes sociais no Maranhão, com outra luta concreta e antiga, que vem das periferias, dos sem terra, quilombolas, indígenas, pelos direitos humanos, pela reforma agrária e pelo desenvolvimento sustentável. 
        Tendo como referência a experiência que vivemos de 2006 para cá, acreditamos que, aqui no Maranhão, temos que trabalhar para que os protestos e esta agenda possam estar juntos, na luta contra a máfia oligárquica. Juntando estas duas pontas, poderemos sonhar com um verdadeiro processo de renovação na política local. Um processo que, obviamente, não se encerrará nas urnas.  
 *Editorial da 44º edição do Jornal Vias de Fato (julho de 2013). 

Nenhum comentário: