10 de fev. de 2013

A crise segundo Gramsci

Boom de obras sobre o filósofo político publicadas na Itália revela esforço para entender por que a Europa está em declínio
 
 
Com a Itália no centro da crise europeia, parte da inteligência do país tem tentado entender as raízes de seus problemas contemporâneos relendo autores do passado que discorreram sobre os males crônicos do Estado italiano.

Um deles é Antonio Gramsci (1891-1937), que recebeu vários estudos recentes, como os de Gerardo Pastore, Raul Mordenti e Michele Filippini, todos de 2011, além de novas edições de sua obra. Gostaria de comentar aqui uma pequena recolha, Odio Gli Indifferenti [Odeio os Indiferentes], saída pela editora Chiaralettere, de Milão, também em 2011.

A coletânea traz alguns de seus textos mais provocativos do período turbulento de 1917-1918 – basta pensar na revolução bolchevique e na Primeira Guerra –, ainda durante sua militância no Partido Socialista, anterior a sua destacada atuação no Partido Comunista Italiano, do qual foi um dos fundadores, em 1921.

A maior parte dos textos pode ser encontrada no volume La Città Futura [A Cidade Futura, 1982, com duas exceções importantes: o manifesto “Gli Operai della Fiat” [Os Operários da Fiat], que originariamente fez parte da recolha Socialismo e Fascismo (1966), e o discurso que fez no Parlamento, em 1925, em confronto direto com o então primeiro-ministro fascista, Benito Mussolini (1883-1945), publicado originariamente no jornal L´Unità, fundado e dirigido pelo próprio Gramsci.

Abdicar da vontade

Partindo da fórmula de Friedrich Hebbel (1813-1863) de que “viver é tomar partido”, Gramsci considera que a “indiferença” da maioria da população pelos acontecimentos públicos e, portanto, pela conquista da cidadania constitui um misto de “abulia”, “parasitismo” e “velhacaria” que é, ao mesmo tempo, um “peso morto da história” e uma espécie de “fatalidade” que “opera poderosamente na história”.

A formulação paradoxal acentua a ideia de que o que ocorre ou deixa de ocorrer se dá não tanto “porque alguns querem que ocorra como porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer (…)”.

Desobrigando-se de se interessar pelo que fazem os pequenos grupos ativos do país, a massa dos indiferentes toma os acontecimentos tramados na sombra – e que, afinal, vêm à tona – como se fosse um “enorme fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, do qual todos são vítimas”.

Um desastre, enfim, pelo qual ela não tem nenhuma responsabilidade. Entre os absenteístas, uns se queixam, outros proferem impropérios, mas são poucos os que se perguntam se a ação da vontade a que renunciaram poderia ter interferido nos eventos tais como se deram. Alguns chegam mesmo a vislumbrar formas teóricas para explicá-los ou soluções razoáveis para tê-los evitado.

No entanto, para Gramsci, porque os seus autores não se comprometeram a tempo, segundo a urgência da ocasião, elas não são verdadeiras contribuições à vida coletiva. Permanecem sempre soluções que chama de “belissimamente infecundas” porque se reduzem a um “produto de curiosidade intelectual”.

Para ele, incorporar um “sentido de responsabilidade histórica” diante da vida distingue-se radicalmente de um racionalismo abstrato, de uma iluminação intelectual a entender a vida do espírito, como fazem os “idealistas”. Reside, antes, na compreensão de que tudo que é concretamente vivo solicita analogamente vida – isto é, uma vontade cuja inteligência está vinculada à mudança que ela se empenha em promover.

O peso do passado

Nesse ponto, é importante notar, como muitas vezes ocorre na leitura dos maiores intelectuais italianos, o peso da herança antiga no pensamento mais vigoroso a respeito dos problemas contemporâneos.

É assim que, para evitar uma interpretação irracionalista de seu voluntarismo, Gramsci, como um estoico, insiste em que “padroneggiare le passioni e li impulsi” [senhorear as paixões e os impulsos], no âmbito da ação participante, é decisivo para a sua eficácia e para evitar a irritabilidade fátua a que conduz o automatismo da vida burocratizada.

Também, para se confrontar com a “lamúria dos eternos inocentes”, Gramsci pede a “conta das tarefas” que lhes cabiam, isto é, cobra a consciência do que fizeram, e especialmente do que não fizeram. À maneira de Virgílio, quando repreende a frouxidão do espírito de Dante ao apiedar-se dos precitos, pretende que é um desperdício dispensar piedade aos indiferentes, partilhar com eles as lágrimas próprias.

Ao contrário, acusa-lhes a ausência de ação animada por “luz moral”, a falta de “consciência viril” de fazer a parte devida na “cidade futura”, a ser construída pela coletividade dos homens, dispensada a mitologia dos deuses. Para Gramsci, à maneira de Maquiavel, a grande questão ainda é fazer frente à fatalidade da fortuna com uma obra política que não libera ninguém para ficar na janela.

Em relação ao político profissional, Gramsci considera que, para que trabalhe em favor de uma “harmonização da realidade”, falta-lhe geralmente o mais importante: a capacidade de “fantasia dramática”, isto é, a força moral da “simpatia humana” a ligá-lo ao sofrimento cotidiano dos indivíduos – não do “povo”, categoria abstrata, a serviço de uma “idolatria democrática”.

Quer dizer, a ação política conseqüente está condicionada a um “sentimento do mundo” – que a guerra, paradoxalmente, com sua imensa carga de sacrifícios inúteis e com seu automatismo sanguinário, tornou mais palpável.

Uma capacidade interior, necessariamente intelectual e afetiva, que acolhe a imaginação e a dor para não se entregar à crueldade e ao caos.

Por Alcir Pécora, professor de teoria literária na Unicamp.
Sugestão de pauta: Virne Teixeira.
Enviado por Eri Santos Castro.
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