O Supremo Tribunal Federal não criaria “um precedente tão perigoso para a segurança de milhões de refugiados no mundo” apenas para dar ao governo italiano o troféu que ele precisa para “cobrir inumeráveis escândalos e persistir na falsificação histórica dos anos de chumbo na Itália”. Essa é a visão que o ex-militante de esquerda italiano Cesare Battisti tem sobre o destino de seu processo de extradição.
Battisti respondeu com exclusividade para o Blog do Haidar a cinco perguntas enviadas a ele por intermédio de seu advogado, Luís Roberto Barroso. O italiano escreveu as respostas à mão, em uma folha de papel almaço. E disse que jamais considerou a possibilidade de ser extraditado. Preso há dois anos no presídio da Papuda, em Brasília, Battisti ganhou refúgio do governo brasileiro em janeiro deste ano. Mas continua preso à espera da conclusão do processo no Supremo.
Há um mês, a decisão sobre o destino do italiano foi adiada com quatro votos pela extradição e três contra. Faltam votar o ministro Marco Aurélio, que pediu vista do processo, e Gilmar Mendes, o presidente do STF. O ministro José Antonio Dias Toffoli, que tomará posse no dia 23 de outubro, deixou em aberto a possibilidade de votar no caso (clique aqui para ler texto sobre o tema).
A questão jurídica que envolve o caso é simples: quando o Poder Executivo dá refúgio ao cidadão estrangeiro, o Judiciário pode mandar extraditá-lo? Até o julgamento do caso Battisti, a resposta era negativa. A jurisprudência do Supremo era clara no sentido de arquivar o processo de extradição nos casos em que o governo concede refúgio. Agora, o entendimento pode mudar.
Na entrevista, o italiano dá sua versão sobre o papel que desempenhou no grupo dos Proletários Armados pelo Comunismo, os PAC. Diz que nunca participou de ações armadas, se classifica como “um ex-militante qualquer” e afirma: “a Itália exagerou tanto no sentido de criar a figura de um monstro, que ficaria agora impossível de reverter”.
Leia a entrevista
Blog do Haidar – Como o senhor descreve sua participação nas ações do PAC?
Cesare Battisti – Os PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), assim como outras dezenas de grupos armados, foram apenas uma entre as diversas manifestações clandestinas da frente ampla do movimento revolucionário denominado Autonomia Operária. Eu entrei como membro dos PAC um ano após sua fundação e ali continuei fazendo as atividades que já desenvolvia na Autonomia Operária, tais como expropriações proletárias para auto financiamento, lutas para redução do horário de trabalho. Organizávamos transporte, geração de energia, telefone, etc. Identificávamos os agentes da contra revolução que seriam castigados ou expulsos dos bairros ou das posições de comando que ocupavam na comunidade. Trabalhávamos, ainda, para a defesa de presos políticos e punição dos torturadores. Em resumo, esses eram os campos de atuação e intervenção política dos PAC, grupo que eu abandonei no ano de 1978, quando alguns dos membros fundadores mudaram os fundamentos de atuação e passaram a executar ações ofensivas armadas, inclusive com a morte dos inimigos da classe.
Blog – O senhor se declara inocente dos assassinatos que lhe são atribuídos, mas foi julgado à revelia na Itália. Por que não voltou para se defender das acusações na ocasião?
Battisti – Quando eu deixei a Itália, em outubro de 1981, no país, as forças de repressão agiam com poder quase ilimitado. Torturas e execuções sumárias eram coisas comuns naqueles dias, como mostra relatório da Anistia Internacional. Acabavam de promulgar leis de exceção que reduziam o processo jurídico a uma farsa. Essa situação perdurou por vários anos, até que todos os militantes fossem obrigados a fugir ou a sofrer condenações a milhares de anos de prisão e, as vezes, até à morte. Foi no meio desse clima de terror que se deu meu processo. Eu nem sabia que estavam me processando de novo, sendo que eu já estava julgado e condenado a 12 anos de prisão por associação subversiva e posse de arma. Nessa época, eu estava foragido no México sem contato algum com minha família, ao ponto que minha mãe, católica, incluía meu nome nas orações feitas para os mortos.
Blog – O senhor ainda acredita que o Supremo pode manter o refúgio que o ministro Tarso Genro lhe concedeu?
Battisti – Surpreendo-me com a sua pergunta. O senhor está querendo dizer que ele mesmo (Tarso Genro) duvida da integridade e do respeito do STF pela individualização dos poderes? Eu estou certo que, de maneira nenhuma, o STF criaria uma crise institucional sobre a soberania nacional, colocando o Brasil em um conflito com os tratados internacionais que o país assinou. O Estatuto do Refúgio é de competência exclusiva do Executivo e o presidente da República é o garantidor desse estatuto frente aos demais países signatários. É difícil imaginar que o STF criaria um precedente tão perigoso como esse para a segurança de milhões de refugiados no mundo.
Blog – Como o senhor vê a possibilidade de ser extraditado para a Itália?
Battisti – Sinceramente, eu jamais considerei essa possibilidade de ser extraditado. O certo é que o governo italiano não pode cumprir a promessa de redução de pena, pois neste caso também existe a separação dos poderes. E, de todo modo, temos hoje nas prisões italianas centenas de presos que estão cumprindo pena de prisão perpétua há mais de 20 anos. As ameaças por parte de órgãos policiais e agentes penitenciários italianos são fatos públicos. E não se deve esquecer a tentativa de sequestro “Operação Porco Vermelho”, em 2005, por parte de uma célula da inteligência dos serviços secretos paralelos italianos. Isso também é um fato público.
Blog – A que o senhor atribui o empenho do governo italiano em tentar levá-lo de volta ao seu pais?
Battisti – Até o ano 2000 eu era um refugiado comum, como centenas de outros na França e demais países, inclusive o Brasil. Foi nessa época que, devido à minha profissão de escritor, eu tive a possibilidade de acessar a mídia. Daí em diante, comecei a denunciar o que realmente aconteceu na Itália nos anos de chumbo. Quanto mais crescia minha notoriedade como escritor, mais cresciam as ameaças e os esforços das autoridades italianas para me calar e neutralizar. Foi assim que, pouco a pouco, com a complacência da mídia, a Itália foi criando a imagem dessa figura monstruosa às custas de um ex-militante qualquer. Logo eu, que jamais me destaquei naquela época e que realmente nunca cometi quaisquer ações homicidas. Desde a França até o Brasil, a Itália exagerou tanto no sentido de criar a figura de um monstro, que ficaria agora impossível de reverter. Eu já virei o troféu que Berlusconi e outros precisam para cobrir inumeráveis escândalos e, principalmente, persistir na falsificação histórica dos anos de chumbo na Itália.
Do blogue do Haidar.
Sugestão de pauta de Rodrigo Lago.
Enviado por Eri Santos Castro.
Battisti respondeu com exclusividade para o Blog do Haidar a cinco perguntas enviadas a ele por intermédio de seu advogado, Luís Roberto Barroso. O italiano escreveu as respostas à mão, em uma folha de papel almaço. E disse que jamais considerou a possibilidade de ser extraditado. Preso há dois anos no presídio da Papuda, em Brasília, Battisti ganhou refúgio do governo brasileiro em janeiro deste ano. Mas continua preso à espera da conclusão do processo no Supremo.
Há um mês, a decisão sobre o destino do italiano foi adiada com quatro votos pela extradição e três contra. Faltam votar o ministro Marco Aurélio, que pediu vista do processo, e Gilmar Mendes, o presidente do STF. O ministro José Antonio Dias Toffoli, que tomará posse no dia 23 de outubro, deixou em aberto a possibilidade de votar no caso (clique aqui para ler texto sobre o tema).
A questão jurídica que envolve o caso é simples: quando o Poder Executivo dá refúgio ao cidadão estrangeiro, o Judiciário pode mandar extraditá-lo? Até o julgamento do caso Battisti, a resposta era negativa. A jurisprudência do Supremo era clara no sentido de arquivar o processo de extradição nos casos em que o governo concede refúgio. Agora, o entendimento pode mudar.
Na entrevista, o italiano dá sua versão sobre o papel que desempenhou no grupo dos Proletários Armados pelo Comunismo, os PAC. Diz que nunca participou de ações armadas, se classifica como “um ex-militante qualquer” e afirma: “a Itália exagerou tanto no sentido de criar a figura de um monstro, que ficaria agora impossível de reverter”.
Leia a entrevista
Blog do Haidar – Como o senhor descreve sua participação nas ações do PAC?
Cesare Battisti – Os PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), assim como outras dezenas de grupos armados, foram apenas uma entre as diversas manifestações clandestinas da frente ampla do movimento revolucionário denominado Autonomia Operária. Eu entrei como membro dos PAC um ano após sua fundação e ali continuei fazendo as atividades que já desenvolvia na Autonomia Operária, tais como expropriações proletárias para auto financiamento, lutas para redução do horário de trabalho. Organizávamos transporte, geração de energia, telefone, etc. Identificávamos os agentes da contra revolução que seriam castigados ou expulsos dos bairros ou das posições de comando que ocupavam na comunidade. Trabalhávamos, ainda, para a defesa de presos políticos e punição dos torturadores. Em resumo, esses eram os campos de atuação e intervenção política dos PAC, grupo que eu abandonei no ano de 1978, quando alguns dos membros fundadores mudaram os fundamentos de atuação e passaram a executar ações ofensivas armadas, inclusive com a morte dos inimigos da classe.
Blog – O senhor se declara inocente dos assassinatos que lhe são atribuídos, mas foi julgado à revelia na Itália. Por que não voltou para se defender das acusações na ocasião?
Battisti – Quando eu deixei a Itália, em outubro de 1981, no país, as forças de repressão agiam com poder quase ilimitado. Torturas e execuções sumárias eram coisas comuns naqueles dias, como mostra relatório da Anistia Internacional. Acabavam de promulgar leis de exceção que reduziam o processo jurídico a uma farsa. Essa situação perdurou por vários anos, até que todos os militantes fossem obrigados a fugir ou a sofrer condenações a milhares de anos de prisão e, as vezes, até à morte. Foi no meio desse clima de terror que se deu meu processo. Eu nem sabia que estavam me processando de novo, sendo que eu já estava julgado e condenado a 12 anos de prisão por associação subversiva e posse de arma. Nessa época, eu estava foragido no México sem contato algum com minha família, ao ponto que minha mãe, católica, incluía meu nome nas orações feitas para os mortos.
Blog – O senhor ainda acredita que o Supremo pode manter o refúgio que o ministro Tarso Genro lhe concedeu?
Battisti – Surpreendo-me com a sua pergunta. O senhor está querendo dizer que ele mesmo (Tarso Genro) duvida da integridade e do respeito do STF pela individualização dos poderes? Eu estou certo que, de maneira nenhuma, o STF criaria uma crise institucional sobre a soberania nacional, colocando o Brasil em um conflito com os tratados internacionais que o país assinou. O Estatuto do Refúgio é de competência exclusiva do Executivo e o presidente da República é o garantidor desse estatuto frente aos demais países signatários. É difícil imaginar que o STF criaria um precedente tão perigoso como esse para a segurança de milhões de refugiados no mundo.
Blog – Como o senhor vê a possibilidade de ser extraditado para a Itália?
Battisti – Sinceramente, eu jamais considerei essa possibilidade de ser extraditado. O certo é que o governo italiano não pode cumprir a promessa de redução de pena, pois neste caso também existe a separação dos poderes. E, de todo modo, temos hoje nas prisões italianas centenas de presos que estão cumprindo pena de prisão perpétua há mais de 20 anos. As ameaças por parte de órgãos policiais e agentes penitenciários italianos são fatos públicos. E não se deve esquecer a tentativa de sequestro “Operação Porco Vermelho”, em 2005, por parte de uma célula da inteligência dos serviços secretos paralelos italianos. Isso também é um fato público.
Blog – A que o senhor atribui o empenho do governo italiano em tentar levá-lo de volta ao seu pais?
Battisti – Até o ano 2000 eu era um refugiado comum, como centenas de outros na França e demais países, inclusive o Brasil. Foi nessa época que, devido à minha profissão de escritor, eu tive a possibilidade de acessar a mídia. Daí em diante, comecei a denunciar o que realmente aconteceu na Itália nos anos de chumbo. Quanto mais crescia minha notoriedade como escritor, mais cresciam as ameaças e os esforços das autoridades italianas para me calar e neutralizar. Foi assim que, pouco a pouco, com a complacência da mídia, a Itália foi criando a imagem dessa figura monstruosa às custas de um ex-militante qualquer. Logo eu, que jamais me destaquei naquela época e que realmente nunca cometi quaisquer ações homicidas. Desde a França até o Brasil, a Itália exagerou tanto no sentido de criar a figura de um monstro, que ficaria agora impossível de reverter. Eu já virei o troféu que Berlusconi e outros precisam para cobrir inumeráveis escândalos e, principalmente, persistir na falsificação histórica dos anos de chumbo na Itália.
Do blogue do Haidar.
Sugestão de pauta de Rodrigo Lago.
Enviado por Eri Santos Castro.
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