23 de abr. de 2009

'Caros Amigos': a melhor entrevista de Jackosn antes do golpe


Em abril a revista Caros Amigos completa 12 anos. Faz pouco mais de um ano que a revista perdeu seu inspirador e grande articulador, jornalista Sérgio de Souza. O Serjão bolou o projeto editorial e convidou um a um os colaboradores, abriu espaço para antigos e novos repórteres. A revista resiste bravamente ao valão comum do jornalismo neoliberal e conservador. É a principal revistado espectro político da esquerda e sua edição é mensal.

A edição de abril traz seis páginas com o governador deposto Jackson Lago, com chamada de capa. Ela saiu domingo (19), com 300 mil exemplaes.

ENTREVISTA JACKSON LAGO:

“Se eu for chamado pelos populares para resistir, eu resistirei”

O governador do Maranhão, Jackson Lago, do PDT, conta, em entrevista exclusiva, na sede da Caros Amigos, como tem sido a luta do povo maranhense contra uma das mais antigas e poderosas oligarquias atuantes no Brasil, a da família do senador José Sarney, que não aceita o jogo democrático e está fazendo de tudo para anular a vontade popular expressa na eleição de 2006. Jackson Lago fala do processo montado contra ele e da ameaça de cassação de seu mandato por decisão do Supremo Tribunal Federal. Participaram da entrevista
Hamilton Octavio de Souza:

Geralmente começamos as entrevistas da Caros Amigos pedindo ao entrevistado que fale um pouco sobre a sua infância, sua vida. Nasci em 1934 em Pedreiras, à margem do Rio Mearim, no Maranhão, fiz o primário nessa cidadezinha. Éramos nove filhos, hoje somos sete. Fiz o ginásio em São Luís, daí fui para o Rio, ser escriturário do IAPC para cursar Medicina. Me envolvi com política estudantil, naquela época o Brasil era um país de muita vitalidade. Me formei em 61, fiz pós-graduação no Rio; em 65 fui ajudar a implantar a cirurgia cardíaca em Florianópolis. Naquela época, começava a cirurgia cardíaca nos Estados Unidos e na Europa e aqui no Brasil davam-se os primeiros passos. Depois fui pra São Luís; não se fazia esse tipo de cirurgia no Maranhão, no Pará, no Ceará, no Piauí, foi um momento de boa contribuição profissional.
Carlos Azevedo: Foi no tempo da ditadura? Você tinha participação política? Tínhamos os nossos contatos, com a Maria Anagama, com William Moreira Lima, fundadores do Partidão lá em São Luís.
Renato Pompeu: Como era o coronelismo no Maranhão nessa época? Por que o coronelismo do Sarney representa uma mudança em relação ao anterior? O que era o latifundiário daquela época no Maranhão? Era um sujeito que tinha terras, ou herdadas ou compradas, mas que morava lá, que convivia lá, que tinha filhos, tinha netos. Ele explorava o trabalhador: ou era o sistema de terças, ou de meias. Ou seja, tudo que ele produz ali, um terço é do dono da terra, ou a meia, metade é do dono da terra. Mas havia uma convivência, às vezes até de ser padrinho, então não tinha violência. E quando veio o latifúndio moderno, então as relações entre o dono da terra, que normalmente mora em São Paulo ou no Paraná, ou é de uma multinacional, com o pequeno e médio produtor desapareceram. No Maranhão, a natureza foi extremamente generosa, tem 11 bacias hidrográficas, muita terra, uma população boa, grande, e era assim um grande produtor agrícola, mas produtor do pequeno e do médio sem tecnologia, mas assim mesmo era o segundo maior produtor nacional de arroz, só perdia para o Rio Grande do Sul. Quando Celso Furtado foi chamado pra conceber a SUDENE, então ele diz “o Maranhão é um estado solução”. Por que? Não tem essas áreas de seca dura e pra lá iam os nordestinos quando tinha seca prolongada. As terras eram livres... Úmidas e livres. Tinha aquele monte de retirante que vinha do Ceará, do Piauí, do Rio Grande do Norte... Agora, como não havia uma presença do estado para orientar essa produção então ela era predatória, migrante, aqui produz dois, três, quatro anos aqui, aí a terra fica fraca. Não tinha correção de solo, não tinha nada. Então ocorria o deslocamento da fronteira agrícola. Mas o Maranhão era grande produtor, quando Sarney foi eleito governador em 1965...
Carlos Azevedo: Ai já veio uma idéia de que ele ia fazer uma renovação, né? Tinha tido o golpe militar de 64, o Sarney no governo passou a ser o representante da ditadura, e então, em 1970, ele ia se afastar do governo pra ser senador, tinha que se afastar, e mandou uma mensagem para a assembléia legislativa, é aí é que o Maranhão deixou de ser um estado produtor. A Constituição Federal dizia que a alienação de mais de 3 mil hectares de terra pública tem que ter autorização do Senado. Para burlar isso, Sarney criou sociedade anônima, e na mensagem já não disse o número de acionistas que cada S.A. poderia ter. Ou seja, se fossem 10 pessoas até três mil hectares, seriam 30 mil hectares. Depois do Sarney se decidiu que o máximo de acionistas seria 21. Olha, 21 acionistas vezes 3 são 63 mil hectares de terra cada empresa, por quê isso? Porque amigos do Sarney daqui do Sul, sobretudo o grupo Matos Leão, do Paraná, tinha interesse em derrubar a pré-Amazônia maranhense, aquela floresta formidável, e vender madeira. As S.A. acabaram com a pré-Amazônia e os pequenos proprietários foram expulsos de suas terras, o Maranhão de Estado-solução passou a problema. Foram feitos alguns projetos agropecuários pra pegar o dinheiro da SUDENE, pra não gastar nada do próprio bolso, além de ter pegado uma terra quase a preço de nada, com cinco anos pra pagar, um preço desprezível, mas ainda tem que usar o dinheiro público, então dinheiro da SUDENE. Depois do vice de Sarney que terminou o seu mandato vieram os governadores nomeados pelo regime militar. O fato é que os grandes negócios de terra do Maranhão começaram a acontecer. Alguns tiveram premiação em áreas de terra, a Condessa Pereira Carneiro, do Jornal do Brasil, a família Mesquita de O Estado de S. Paulo...
Tatiana Merlino: Em que ano foi isso? Isso foi a partir de 1971, quando Sarney passou a ser senador. Pra ter uma idéia, a Volkswagen chegou a ter 200 mil hectares de terra! Se nós olharmos os últimos 20 anos, os maranhenses passaram a ser migrantes, porque não tinham terra, não tinham onde trabalhar, aí iam para as fazendas do sul do Pará, às vezes pra Bahia em trabalho semi-escravo, pro Amapá... Pro Acre, nos canaviais aqui de São Paulo, de Minas Gerais, um milhão de maranhenses saiu do Estado. Aí então o Maranhão nem mais acolheu nordestino e nem mais pode segurar seus filhos.
Renato Pompeu: Qual é a população do Maranhão? Seis milhões e 200 mil.
Tatiana Merlino: Qual era a sua atuação política? Nas eleições de 1974 houve no país um movimento assim, “não vamos votar em branco, vamos votar no MDB” e nesta época fui candidato a deputado estadual do MDB...
Renato Pompeu: E o Sarney? Em 2006 falavam em 40 anos de poder absoluto. Muitas vezes as pessoas dizem: bom, mas teve alternância de poder. Piauí, Ceará, em todo lugar se viu alternância de poder. E porque que no Maranhão não? Porque que o Maranhão possui 40 anos sem ter alternância de poder? E nós vamos dizer o seguinte, que o Sarney chegou, e como o representante da ditadura, foi estabelecendo seus caminhos. No começo foi relativamente fácil. O MDB que era oposição no Maranhão, começou com pessoas conservadoras, que eram contra as inovações do Sarney e nunca tinham tido militância em movimentos sociais, nem nada. Então o MDB começou muito sem pessoas populares e sem militância e tudo isso foi facilitando a vida do Sarney.
Marcos Zibordi: E a questão deles entrando nos meios de comunicação. Os Sarney entraram primeiro através de um jornal muito pequeno e depois foi ficando esse império. Se nós olharmos bem, em 1985, acabaram os representantes militares, então, em 1984, nós tivemos a luta das diretas, que o Sarney derrotou. Daqui a pouco o nosso país, que é chegado a um bom acordo, começou a falar nas indiretas. Doutor Tancredo, um homem competente, de muita experiência, líder de um estado importante como Minas Gerais foi com essa coisa das indiretas e tal. Nesta questão da indireta, eles precisavam ter um pedaço da ditadura, do convencional, para ganhar no Congresso. E nesse pedaço do convencional é então que entrou o Sarney que era o presidente do partido da ditadura, então foi o escolhido para ser o vice do doutor Tancredo. E para completar a obra o Tancredo morre, Sarney vai à presidência. A partir daquele instante o Brasil respirou, os estados respiraram, não tinha mais um autoritarismo. E nós não, porque o presidente da República agora era muito mais forte do que o chefe político local nosso, ele agora era o chefe político local e mais o presidente da república. E nós tivemos que engolir mais 20 anos que ele se fortaleceu, ficou presidente e distribuiu rádio, televisão. Se juntar as televisões dele com o Arthur Lobão, que é aliado dele e do Manoel Ribeiro, esses três têm mais de 90% dos meios de comunicação do estado.
Renato Pompeu: Nessa situação toda, como foi a sua carreira política? Eu fui eleito em 1974 deputado estadual, terminou o mandato e eu fui candidato a deputado federal. Todos achavam que eu fui eleito, mas passaram vários dias para dar o resultado porque eu apoiava muito a luta dos trabalhadores rurais contra a questão do latifúndio. Eu montei um jornalzinho chamado “O Rumo”, naquele tempo os jornais não publicavam nada das violências. Não me deram o mandato. Eu tive 24.320 votos e seria o segundo deputado federal do MDB, mas um dia publicaram os dados, duas horas da madrugada, depois de muito tempo, mantendo a minha posição e uma outra pessoa com um pouquinho mais que eu.
Wagner Nabuco: Apareceram outros votos. Mas aí também já estava na hora, na rua tava um movimento pela anistia. Eu me lembro bem que no final de 1978 o Dr. Ulisses Guimarães foi a São Luís para reintroduzir na vida pública os deputados cassados Renato Archer e Cid Carvalho. E eu era MDB, também estava no final do mandato e me inscrevi para falar e mandei fazer uma faixa: “exilados voltarão, Neiva Moreira e Manoel da Conceição.” Neiva Moreira era o líder progressista do Maranhão quando o golpe o exilou. Manoel da Conceição era um líder camponês que a polícia política tinha perseguido, estava exilado na Suíça. E minha mulher, minha companheira, segurava a faixa. Na hora que chegasse a minha vez de falar, eles abririam a faixa. Então, na hora que eu falei abriram a faixa e no outro dia o jornal botou com essa coisa e tal. Eu achava que o doutor Cid e o Renato eram figuras interessantes, sobretudo o Renato, mas que a sociedade exigia coisas mais de base, organizações populares. Aí fundamos o PDT. Na realidade quem era da Arena foi para o PDS e quem era do MDB foi para o PMDB. A não ser os que queriam fazer partido, vamos fazer o PC do B, outros o PT, nós o PDT, com o Brizola. Fui candidato a prefeito, derrotado. Em 1986 eu fui o deputado federal mais votado em São Luís, o quarto mais votado do estado do Maranhão, mas também não tive mandato porque nós não nos coligamos com ninguém e o partido não fez índice. Em 1988 fomos candidato a prefeito de novo e vencemos pela primeira vez, e de lá para cá vencemos todas na capital. Em 1992, indiquei uma companheira do PSB para a prefeitura, ela foi eleita, depois nos abandonou. Mas em 1996, eu voltei, fui eleito, em 2000 fui reeleito. Mas em 1992 eu terminei a prefeitura e em 1994 eu fui candidato a governador. Eu só era conhecido na capital, eu e um companheiro do PT de Imperatriz candidato a vice. E aí tivemos uma boa votação em São Luís, uma boa votação em Imperatriz.
Wagner Nabuco: A oposição ao senhor em 1994 era a Roseana? Em 1994 a candidata era a Roseana para o governo, o Cafeteira, que era o candidato da oposição convencional e nós candidatos da esquerda. Tivemos 20% dos votos, não tivemos um cartaz, ninguém ajudou em nada, sem carro de som, sem meios de comunicação, sem nada. Ainda assim tivemos muitos votos na capital e em Imperatriz, que é a segunda maior cidade e numa outra cidade. Em 2000 fui reeleito prefeito, mas logo no começo de 2002 eu renunciei à prefeitura para ser candidato a governador. Tive 42% dos votos em 2002, o candidato do PT teve 5% e o candidato do PSB teve 5%. O do Sarney que era José Reinaldo, que é esse governador que rompeu com ele e até me apoiou no segundo turno, no primeiro turno ele tinha candidato que era o ministro Vidigal; ele teve 48%. Então o Sarney conseguiu no TSE alegar que o advogado não tinha anexado uma procuração no processo, então anulou os 5% dos votos do PSB. Na hora anulou os 5%, o que era 48% passou de 50% e aí não teve segundo turno. Nós devíamos ter chegado ao governo do Maranhão em 2002.
Camila Martins: Governador, sabe o que dá impressão? Que o Maranhão é um estado que está correndo risco de golpe a todo momento. Enquanto todas as outras instituições democráticas dos outros estados se consolidaram, não deixaram as do Maranhão se consolidarem. Mas a senhora tem toda a razão. Qual é o quadro político do estado? É um quadro resultante dos 40 anos quando nós tivemos a metade deles com o autoritarismo militar e a outra metade deles com o chefe político local maranhense, transformado em presidente da república, e depois grande aliado dos governos federais, de todos. O Sarney tem mais de 90 rádios, TVs, jornais, ele e os aliados.

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