15 de fev. de 2009

O PMDB e a gaiola dourada

Sendo o PMDB o maior partido do país, possuindo 21 senadores, 93 deputados federais e comandando 1207 prefeituras, entre as quais cinco capitais, por que não tem um candidato a presidente do Brasil? Sabem por que? Porque é um partido sem projeto, sem idéias, portanto sem atitude. É o partido da boquinha, dos interesses mesquinhos, do fisiologismo e clientelismo puro.
Quando do surgimento do PSDB, o que restaria no PMDB, salvo raríssima exceção, seria o abominável na política: a inexistência de quaisquer motivação programática e ideológica para o bem da nação.

Faço esta introdução para o excelente artigo do Frei Beto sobre o PMDB. O título original desse artigo é 'O canto das sereias'. Dei-me a permissão de mudá-lo para 'O PMDB e a gaiola de ouro'.

Ei-lo: o Partido do Movimento Democrático Brasileiro à frente das duas casas congressuais: o Senado (José Sarney) e a Câmara dos Deputados (Michel Temer). Nem na Roma antiga, republicana, tal fenômeno parecia possível. Em nome da divisão de poderes, as famílias nobres cultuavam a diversidade como antídoto ao absolutismo. Aqui não; a cobra fuma e não expira.

Nele há de tudo, salvo o testemunho ético de um Pedro Simon, principalmente às recorrentes denúncias de corrupção que historicamente pesam sobre alguns de seus líderes partidários. Ele pratica, mais que a democracia, a demoarquia, originária do verbo grego archein, que significa ser o primeiro, estar à frente, no sentido de comandar processos.

Quem diria que o PT seria politicamente atropelado pelo trator do partido dirigido por aqueles que aprenderam a conjugar assim o verbo poder: eu posso, tu podes, ele pode; nós podemos, vós podeis e eles não podem, a menos que rezem pela nossa cartilha e favoreçam nossos interesses corporativos. É a corporocracia. Ora, pra que plebiscitos se, há décadas, vivemos no regime parlamentarista?

O PMDB exerce a função de primeiro-ministro, o Executivo preside. Ou quem sabe estamos, sem nos dar conta, em plena monarquia! A família peemedebista se sucede nas instâncias do poder com direito a conceder a correligionários e aliados cargos e prebendas. Não importa que os discursos sejam outros.

Na Inglaterra, enquanto o parlamento grita, a rainha reina. Aqui, idem. Haja o que houver, estamos em mãos do mais despudorado fisiologismo, cujos discursos sobrevoam eloquentemente as práticas do clientelismo e do compadrio. Se o mundo gira e a Lusitana roda, os governos se sucedem e o PMDB impera. Hay gobierno, soy a favor, grita a ala dos peemedebistas acostumada a mamar nas tetas da máquina pública... E a que tanto aspira esse partido que jamais soçobra nas turvas águas da conjuntura? Como é possível contracenar com a ditadura e celebrar a democracia? Basta ter uma só meta, um só objetivo, uma só ambição: o poder.

Se muitos sucumbem às tentações do poder, do dinheiro e do sexo, a ala fisiologista do PMDB, se vivesse no Paraíso, não teria caído no conto da maçã, e sim tentado convencer Javé de que o mundo seria melhor tendo-a como braço direito. Coitado do doutor Ulysses Guimarães e toda a sua luta por uma democracia participativa!

Conta Homero, na "Odisseia", que Ulisses encontrou, na Ilha das Sereias, curiosas criaturas com cabeças e vozes de mulheres, mas com corpos de pássaros que, com doces canções, atraíam marinheiros ao encontro das rochas. Quando o barco se aproximou, uma calmaria se abateu sobre o mar, e a tripulação utilizou os remos. De acordo com as instruções de Circe, Ulisses tampou os ouvidos da tripulação com cera, enquanto ele próprio foi amarrado ao mastro, de modo que pudesse ouvir a canção e passar a salvo pelo perigo. "Aproxime-se, Ulisses!", cantavam as sereias.

Ulisses resistiu, mas quantos, a bordo do transgoverno chamado PMDB, são capazes de tapar os ouvidos ao canto das sereias? Narra ainda Homero que Penélope, fiel esposa de Ulisses, rechaçou todos os pretendentes, até que surgisse um homem capaz de atirar com o arco que Ulisses tendeu. Nenhum deles o conseguiu. Até o dia em que um mendigo tomou em mãos o arco e, na mesma hora, Penélope reconheceu nele seu amado Ulisses.

A democracia brasileira espera, como Penélope, o dia em que poderá reconhecer sua plenitude na inclusão social daqueles que, hoje, se nos apresentam como o maltrapilho Ulisses.

FREI BETTO é escritor.

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