31 de mar. de 2008

Lula: a revolução burguesa tardia

Deu no blog de Josias de Sousa
Tarso Genro esboça agenda do ‘governo pós-Lula’
Ministro diz que país vive uma ‘revolução democrática’
Defende o ‘aprofundamento da agenda pós-neoliberal’


Tarso Genro ministrou uma “aula magna” para alunos de um curso de pós-graduação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Discorreu sobre o Brasil. Visto como uma das alternativas presidenciais do PT, o ministro da Justiça falou num timbre que bem pode ser visto como o de pré-candidato.

A aula aconteceu na noite desta sexta-feira (28). Coincidentemente, uma folha do calendário que reservou maus bocados à colega Dilma Rousseff. Levada à vitrine por Lula como aposta preferencial para 2010, a chefe da Casa Civil passou o dia tentado refutar a notícia de que uma assessora direta ordenara a elaboração de um dossiê contra FHC. Dossiê cuja existência todo o governo, inclusive Tarso, refuta.

Falando numa escola que já teve FHC como aluno, Tarso discorreu sobre o Brasil de hoje e sobre o país que imagina para amanhã. Embora falasse para alunos de um curso de políticas preventivas da violência, direitos humanos e segurança pública, o ministro avançou para muito além das fronteiras da cátedra.

Nas palavras do ministro, “o Brasil navega em um mar de possibilidades”. Acha que foi deflagrada, sob Lula, “uma espécie de revolução democrática burguesa tardia no país.” Mencionou como “principal demonstração” do processo transformador “a abertura do mercado de consumo a amplas parcelas da população, antes excluídas ou com acesso limitadíssimo ao consumo e ao credito”.

Para Tarso, a expansão do mercado interno e a estabilidade econômica produziram um “reordenamento do sistema de classes do país, com implicações ainda não mensuráveis para o futuro da nação.” É a esse fenômeno que o ministro dá o nome de “revolução democrática.” Cabe agora, acha ele, “pensar nos desafios de um governo pós-Lula, independentemente do partido ou do nome que o lidere.”

Curiosamente, Tarso vale-se de uma expressão –“pós-Lula”— cunhada, dias atrás, pelo governador de Minas, Aécio Neves. Um tucano que, em Belo Horizonte, aproxima-se do PT e, na cena nacional, tenta vender-se como presidenciável sui generis. Um candidato que, embora filiado ao PSDB, foge do rótulo anti-Lula.

O que seria o Brasil pós-Lula? No dizer de Tarso, seria um país disposto a aprofundar a “agenda pós-neoliberal”, ampliando a “participação popular.” Define o brasileiro pobre guindado à condição de consumidor como “novo sujeito social”. Um “elemento decisivo para a renovação da utopia transformadora” que produziu as vitórias de Lula em 2002 e 2006.

Para aprofundar o que batizou de “revolução democrática”, Tarso prega a necessidade de consolidar, a partir de 2010, uma agenda “social desenvolvimentista.” Aventurou-se a listar alguns tópicos dessa agenda pós-Lula. Mencionou quatro pontos. Explicou-os assim:

1. “A promoção da transversalidade das políticas sociais, a partir de estratégias que articulem, respeitando as demandas de cada região e de cada segmento social, políticas de educação, saúde, reforma agrária, moradia, transporte coletivo de massa, segurança pública, geração de trabalho e renda, economia solidária, assistência social, segurança alimentar e nutricional, transferência de renda, estímulo à agricultura familiar, abastecimento, saneamento e de cultura”;

2. “A melhoria da capacidade de planejamento e gestão do Estado, possibilitando o aumento da eficiência social dos serviços públicos e da participação popular na formulação e controle das políticas públicas”;

3. “A realização de uma profunda reforma política, que reformule o sistema eleitoral-partidário, fazendo com que os partidos políticos afirmem sua identidade programática e tornem-se os efetivos sujeitos da democracia brasileira. Deve proporcionar, ainda, a ativação política dos sujeitos sociais surgidos a partir da implantação da nova agenda social proposta pelo governo Lula”;

4. “Consolidação da transição para um modelo de desenvolvimento que combine inserção soberana no mundo globalizado, amplo mercado de massas e políticas públicas redistributivas”.

Se repetir expressões como “transversalidade das políticas” e “identidade programática” num palanque eleitoral, Tarso arrisca-se a ser escorraçado pela audiência. Mas, no universo asséptico de Brasília, as palavras do ministro soam como linguagem de alguém que, no íntimo, considera-se uma opção sucessória do PT. Alguém dotado de instrumental teórico para dar continuidade à obra que Lula, presidente de poucas letras, erigiu de forma intuitiva.

O ministro empenhou-se, a propósito, em enaltecer as realizações do chefe. Escorou-se, logo na abertura da aula, em Machado de Assis, escritor cuja morte completa 100 anos neste 2008. Citou um ensaio que Machado escrevera em 1873. Chama-se “Instinto de nacionalidade.”

Tarso recordou que, no texto, Machado fala sobre uma “outra Independência” do Brasil. Uma independência sem “Sete de Setembro”. Que “não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração nem duas: muitos trabalharão para ela até prefazê-la de todo”. Para o ministro, Lula “deu início” à “outra independência” de que falava Machado. Mencionou cinco “evidências”:

1. “No final do ano passado, o Brasil atingiu o Índice de Desenvolvimento Humano das nações desenvolvidas do mundo”;

2. “Recentemente, o Banco Central anunciou que o país elevou suas reservas a um nível que permitiu, pela primeira vez, assumir a condição de credor internacional”;

3. “Em 2006, o país alcançou a auto-suficiência em petróleo”;

4. “Cerca de 20 milhões de brasileiros ascenderam para a classe C, nos últimos cinco anos, isto sem considerar o ano de 2007 (...)”;

5. “As Instituições Republicanas atingiram elevado patamar de maturidade e autonomia, permitindo, pela primeira vez, um frontal combate à corrupção. Apenas em 2007, por exemplo, a Polícia Federal totalizou 457 prisões por suspeitas de improbidade, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, além de realizar 40 operações contra o crime do colarinho branco.”

São essas as bases que, na opinião do não-candidato Tarso Genro, permitem ao Brasil pensar numa agenda pós-Lula.