Cidadão fiscal de rendas, desculpe a liberdade!
Obigado... não se incomode... estou à vontade!
A matéria que me traz é algo extraordinária:
o lugar do poeta na sociedade proletária..
Ao lado dos donos de terras e senhores industriais
estou eu também citado por débitos fiscais.
Nós somos proletários e motores da pena.
A poesia é como a lavra do rádio
- um ano para cada grama.
Para extrair uma palavra,
milhões de toneladas de palavra-prima.
Porém, que flama de uma tal palavra emana
perto das brasas da palavra-bruta!
Tal palavra põe em luta milhões de corações
por milhares de anos.
Você conhece por certo o fenômeno rima.
Em linguagem de fisco
a rima é uma letra a termo fixo
para desconto ao fim da linha
sem mais prazos.
E sai-se à caça da minúcia de flexão ou sufixo
na caixa escassa das conjugações e casos.
Tenta-se pôr uma palavra nessa linha,
ela não cabe, força-se, e se esfarinha.
Cidadão fiscal de rendas, eu lhe juro,
as palavras custam ao poeta um duro juro.
Para nós, a rima é um barril.
De dinamite. O verso, um estopim.
A linha se incendeia e quando chega ao fim
explode
e a cidade em estrofe voa em mil.
No questionário há um monte de quesitos:
“O Sr. fez viagens? Sim ou não?
Mas, como, se eu fiz vôos infinitos
em dezenas de pégasos nesses 15 anos ?
Cidadão, condescenda, as passagens são caras!
A poesia - toda ela - é uma viagem ao desconhecido..
A máquina da alma com os anos se trava,
e dizem: - ao arquivo, acabou-se, um de menos!
O tempo em sua corrida minhas têmporas esmaga.
E vem então a mais terrível das amortizações
- a de almas e corações, última paga.
A minha dívida é uivar com o verso,
entre a névoa burguesa, boca brônzea de sirene.
O poeta é o eterno devedor do universo,
e paga em dor porcentagens de pena.
Estou em dívida com os lampiões da Broadway,
com o Exército Vermelho,
com vocês, céus de Bagdádi,
com as cerejeiras do Japão e toda a infinidade
a que não pude dar a sobra de uma ode.
Mas, para que afinal essas molduras?
Para que fazer da rima, mira
e do ritmo, chibata?
A palavra do poeta é a tua ressurreição,
a tua imortalidade, cidadão burocrata .
Daqui a séculos, do papel mudo toma um verso
e o tempo ressuscita.
Cidadão fiscal de rendas, eu encerro.
Pago 5 rublos e risco todos os zeros.
Tudo o que quero é um palmo de terra ao lado
dos mais pobres camponeses e operários.
Porém, se vocês pensam que se trata apenas
de copiar palavras a esmo,
eis aqui, camaradas, minha pena:
podem escrever vocês mesmos!
Vladimir Maiakovski (Bagdadi, Rússia, 19 de julho de 1893 - Moscou, 14 de abril de 1930) - Poeta e dramaturgo, considerado um dos mais influentes autores do século XX. Foi um dos fundadores do movimento artístico futurista da Rússia. Ao lado de figuras como Meyerhold, participou da criação de um novo teatro russo influenciado pela arte construtivista. As traduções foram feitas por Carrera Guerra, Boris Schneiderman, Augusto de Campos e Haroldo de Campos
Obigado... não se incomode... estou à vontade!
A matéria que me traz é algo extraordinária:
o lugar do poeta na sociedade proletária..
Ao lado dos donos de terras e senhores industriais
estou eu também citado por débitos fiscais.
Nós somos proletários e motores da pena.
A poesia é como a lavra do rádio
- um ano para cada grama.
Para extrair uma palavra,
milhões de toneladas de palavra-prima.
Porém, que flama de uma tal palavra emana
perto das brasas da palavra-bruta!
Tal palavra põe em luta milhões de corações
por milhares de anos.
Você conhece por certo o fenômeno rima.
Em linguagem de fisco
a rima é uma letra a termo fixo
para desconto ao fim da linha
sem mais prazos.
E sai-se à caça da minúcia de flexão ou sufixo
na caixa escassa das conjugações e casos.
Tenta-se pôr uma palavra nessa linha,
ela não cabe, força-se, e se esfarinha.
Cidadão fiscal de rendas, eu lhe juro,
as palavras custam ao poeta um duro juro.
Para nós, a rima é um barril.
De dinamite. O verso, um estopim.
A linha se incendeia e quando chega ao fim
explode
e a cidade em estrofe voa em mil.
No questionário há um monte de quesitos:
“O Sr. fez viagens? Sim ou não?
Mas, como, se eu fiz vôos infinitos
em dezenas de pégasos nesses 15 anos ?
Cidadão, condescenda, as passagens são caras!
A poesia - toda ela - é uma viagem ao desconhecido..
A máquina da alma com os anos se trava,
e dizem: - ao arquivo, acabou-se, um de menos!
O tempo em sua corrida minhas têmporas esmaga.
E vem então a mais terrível das amortizações
- a de almas e corações, última paga.
A minha dívida é uivar com o verso,
entre a névoa burguesa, boca brônzea de sirene.
O poeta é o eterno devedor do universo,
e paga em dor porcentagens de pena.
Estou em dívida com os lampiões da Broadway,
com o Exército Vermelho,
com vocês, céus de Bagdádi,
com as cerejeiras do Japão e toda a infinidade
a que não pude dar a sobra de uma ode.
Mas, para que afinal essas molduras?
Para que fazer da rima, mira
e do ritmo, chibata?
A palavra do poeta é a tua ressurreição,
a tua imortalidade, cidadão burocrata .
Daqui a séculos, do papel mudo toma um verso
e o tempo ressuscita.
Cidadão fiscal de rendas, eu encerro.
Pago 5 rublos e risco todos os zeros.
Tudo o que quero é um palmo de terra ao lado
dos mais pobres camponeses e operários.
Porém, se vocês pensam que se trata apenas
de copiar palavras a esmo,
eis aqui, camaradas, minha pena:
podem escrever vocês mesmos!
Vladimir Maiakovski (Bagdadi, Rússia, 19 de julho de 1893 - Moscou, 14 de abril de 1930) - Poeta e dramaturgo, considerado um dos mais influentes autores do século XX. Foi um dos fundadores do movimento artístico futurista da Rússia. Ao lado de figuras como Meyerhold, participou da criação de um novo teatro russo influenciado pela arte construtivista. As traduções foram feitas por Carrera Guerra, Boris Schneiderman, Augusto de Campos e Haroldo de Campos
Nenhum comentário:
Postar um comentário