Deu no Estadão
Por Dora Kramer
A renúncia na cabeça
O semblante carregado do presidente do Senado, José Sarney, expressa o desconsolo que lhe assola o espírito desde os primeiros dias da crise que coincidiu com o início de seu mandato.Incumbência pesada que, segundo confessou aos mais íntimos, já cogitou abandonar antes do prazo regulamentar de dois anos.
A renúncia na cabeça
O semblante carregado do presidente do Senado, José Sarney, expressa o desconsolo que lhe assola o espírito desde os primeiros dias da crise que coincidiu com o início de seu mandato.Incumbência pesada que, segundo confessou aos mais íntimos, já cogitou abandonar antes do prazo regulamentar de dois anos.
Se foi um impulso momentâneo ou um plano a ser executado a qualquer momento, fato é que Sarney há cerca de 20 dias começou a dar razão aos que o aconselhavam a ignorar fosse qual fosse a motivação - de ordem pessoal, familiar, política ou partidária - para concorrer à presidência do Senado.Arrependido por ter deixado de lado o projeto de se eleger presidente da Academia Brasileira de Letras para, pela terceira vez em 14 anos, presidir o Senado, externou a vontade de renunciar. Ao cargo, ao mandato de senador, à carreira política.
Quando falou no assunto, referiu-se aos 80 anos de idade a serem completados no dia 24 de abril de 2010. Não deixou claro se marcava data para o gesto pretendido ou se apenas considerava imerecida tal desventura a essa altura da vida.Os 50 anos de vida pública lhe deram experiência e discernimento suficientes para perceber o tamanho do estrago.
O Senado no chão e ele pagando a maior parte da conta sem ter como resolver o problema.Por isso, ao dizer que pensava na renúncia como uma saída, avaliava que se candidatar à presidência foi um passo errado que o levou a perder o capital político de uma carreira que pretendia encerrar em alta.
Primeiro, havia sonhado em coroar a trajetória com a presidência da Academia Brasileira de Letras, nos 100 anos da ABL. Faria, aí, sua opção preferencial pela literatura.Enquanto se manteve fiel a esse projeto, José Sarney rejeitou toda e qualquer possibilidade de ser candidato a presidente do Senado. Dizia isso aos correligionários, mas também à família e aos amigos até novembro do ano passado.Em dezembro, mudou.
A alguns, para os quais havia dito que não disputaria, comunicou a mudança com a seguinte frase: "O destino me leva à política."O destino, no caso, foi entendido como a percepção de que na presidência do Senado Sarney poderia ajudar dois dos seus três filhos: Fernando, com problemas na Polícia Federal, e Roseana, envolvida no embate judicial que afinal cassou Jackson Lago e deu a ela o mandato de governadora do Maranhão.
Estava, porém, escrito outro tipo de sina bem menos venturosa. A crise no Parlamento estourou logo na estreia e Roseana assumiu em meio às enchentes que desabrigaram milhares de pessoas e devastaram o Estado, cuja recuperação demanda muito mais tempo que os 20 meses de mandato herdados por decisão da Justiça.Posto o arrependimento em virtude da consumação dos piores fatos, os mesmos que haviam aconselhado Sarney a esquecer a presidência do Senado no mês passado lhe disseram para tirar da cabeça essa história de renúncia.Primeiro, porque a primeira "loucura" (de presidir o Senado) não poderia ser consertada com outra maior. Em segundo lugar, se a preocupação de José Sarney é com a biografia, a rendição na adversidade não seria a melhor contribuição à História.
Agora, na opinião dos amigos, o senador Sarney não tem outra saída: é investir na recuperação da credibilidade sob a orientação do seguinte lema: não se pode fazer tudo errado e, o fim, esperar que dê tudo certo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário