O governo Jango foi cheio de esperança

Deu no JB
Marco Aurélio Garcia lembra a UnB "de Darcy Ribeiro"

Marco Aurélio Garcia, professor de história e assessor especial do presidente Lula, tinha 13 anos quando Getúlio morreu. O avô era ligado a Borges de Medeiros, no Rio Grande do Sul. A família fazia oposição a Vargas. Ele ouviu a notícia pelo rádio. Testemunhou a revolta do povo nas ruas.

"Atacaram o Consulado americano, as Lojas Americanas, até uma boate que se chamava American. A perseguição a Vargas talvez possa ter sido semelhante à que aconteceu com Jango, em 1964", compara Garcia.

"O golpe militar em Porto Alegre foi muito dramático. Tínhamos a memória da legalidade. Caímos no dia 2 de abril. O chefe da polícia era amigo do meu pai. Mandou me dizer que eu devia cair fora. Viajei para o Uruguai e fiquei lá alguns meses. Depois, retornei ao Brasil. Em 1967 fui para a França, voltei em 1969. Em 1979, caí na clandestinidade, era do Partido Operário. Tive que pedir asilo político no Chile. Para mim, em termos de violência, o golpe de Pinochet contra Allende, em 1973, foi muito pior. Tenho amigos que morreram. Fui parar na Embaixada da Guatemala, com José Maria Rabello, Theodoro Buarque de Holanda, Dalva Bonet, Teotônio dos Santos. Voltei ao Brasil e ajudei a construir o PT, com Lula, no final dos anos 70", lembra.

O assessor especial de Lula detalha que começou a conhecer João Goulart no governo de Jânio Quadros. "Eu era da UNE, ocupava um cargo importante (em 1963 foi candidato a vereador pelo Partido Republicano), os estudantes prestigiavam a UNE naquela época. Jânio nos recebeu em Brasília. Muito hostil, a princípio, depois muito simpático. O governo Jango foi cheio de esperança. Fiquei fascinado com a Universidade de Brasília, de Darcy Ribeiro (Chefe do gabinete Civil de Goulart). As universidades, antes de Darcy, eram muito conservadoras, muito clericais. Ainda continuaram sendo. Acho que o expurgo nas universidades foi maior na Argentina do que no Brasil. Havia muitos professores brasileiros compactuando com o sistema. Não peguei muito o governo de JK. Mas o governo de João Goulart foi de muita efervecência cultural. Não se pode comparar a nada. As reformas de base, o engajamento político da juventude, o movimento sindical, o povo votando pelo presidencialismo no plebiscito em 1962, o Plano Trienal em 1963, a possibilidade da reforma agrária. O governo Jango talvez possa ser comparado ao movimento pela anistia e as eleições diretas, entre 1978 e 1985, com a criação da CUT e das centrais sindicais, ou ao primeiro período do governo Lula. Foi na época de Jango que surgiram os grandes intelectuais, Vianinha, León Hirchman, Arnaldo Jabour. O país hoje pulou para a esquerda. Antigamente, ser de esquerda era ser marginal" compara Garcia, que apesar do saudosismo em relação aos períodos anteriores ao golpe, não considera a juventude de hoje alienada e despolitizada, e sim "um pouco sub-produto dos movimentos de 1968, engajados ou inseridos em movimentos culturais".