8 de nov. de 2008
Estamos nos aproximando do fim de uma década progressista?
Em 2008 vão tomando forma algumas tendência que já se vinham perfilando mas que, colocadas agora no seu devido contexto, adquirem uma nova forma na conjuntura regional. Os atores principais são os governos progressistas da América do Sul, a política do regime de George W Bush e as grandes multinacionais.
Por muito desagradável que seja deve reconhecer-se que desde a chegada ao governo de Lula, Tabaré Vasquez, Nestor Kirchner, e também Evo Morales, Hugo Chávez e Rafael Correa, o protagonismo dos movimentos sociais e populares decaíram significativamente.Tudo indica que estamos num momento de inflexão.
A ofensiva especulativa do capital financeiro, uma máquina enlouquecida e fora de controlo que não pode deter-se, mas que funciona destruindo seres humanos e meio ambiente, desde meados da década está a ter um papel determinante no redesenho do mapa regional. Face ao seu poderio, os próprios estados revelaram-se atores frágeis que a maioria das vezes se limitam a +pavimentar a sua expansão.Um exemplo: o governo uruguaio contempla, sem qualquer entusiasmo, o imparável avanço da cultura de soja sem deitar mão à mais tímida política reguladora, o que converte o país num novo e potencialmente exportador de soja. Entretanto deve incrementar a importação de batatas, maçãs, cenouras, batata-doce, alhos e cebolas porque os agricultores uruguaios já não podem sequer abastecer o mercado interno.
Não é muito diferente do que sucede nos restantes países do MERCOSUR, onde as diferentes monoculturas continuam a avançar e a destruir as economias camponesas que asseguram o prato de comida diário. Inclusivamente, quando um governo como o de Cristina Fernández implementa elevadas retenções aos exportadores de soja, superiores a 40%, os impostos pagos pelas multinacionais mineiras limitam-se a uns ridículos 5 por cento.
Não é simples confrontar o capital financeiro, capaz de provocar crises, mesmo nos grandes centros imperiais. Mas a verdade é que durante metade da década os governos progressistas limitaram-se a acompanhar o crescimento do capital especulativo na região, quando não o fomentaram. Agora, este tem força suficiente para bloquear as mais tímidas mudanças, como o demonstrou o caso argentino.Não foi a falta de alternativas que impediu estes governos de pôr freio à especulação multinacional, mas o medo das crises sociais e políticas que os especuladores são capazes de provocar.
O que é um fato é que vem sendo o capital financeiro o principal responsável por desenhar o futuro dos nossos países, muito acima dos impotentes e decrépitos estados nacionais. Se a esta ofensiva multinacional se somar a agressiva política da administração Bush, o panorama é seguramente desalentador.
Desde a implementação do Plano Colômbia, os Estados Unidos da América conseguiram neutralizar os principais projetos de integração, que avançam com demasiada lentidão e não conseguem gerar uma massa crítica que os coloque num caminho sem retorno. Tanto a UNASUR como a ALBA mostraram poucos progressos num momento em que nos aproximamos do fim da década mais «progressista» que a região conhece em muitos anos.Mas a política de Washington não se limita a impedir a integração. É muito mais agressiva. Vai encontrando formas e modos de colocar na defensiva os governos mais audazes. Através do apoio a movimentos separatistas ameaça com a divisão da Bolívia, Venezuela e Equador, onde os movimentos com epicentro em Santa Cruz, o estado petrolífero de Zulia e a província de Guayas, capital de Guayaquil, se converteram em focos desestabilizadores.
Os estrategos do império descartam golpes de Estado e a divisão destes países parece pouco provável. No entanto, estes movimentos mostraram – muito particularmente na Bolívia – a sua capacidade de bloquear as mudanças pelas quais uma geração de movimentos sociais lutou com bravura. Estamos perante novas estratégias, que recorrem a uma espécie de «desestabilização de massas» ao serviço das elites que estimula a acumulação de capital.
Que os três governos mencionados se encontrem na defensiva na hora de avançar com as mudanças não é uma casualidade, mas o fruto tangível de uma estratégia que está a dar bons dividendos. Ela inclui a polarização até extremos perigosos, como tem acontecido nos últimos meses na Bolívia. As elites aprenderam a manejar os mesmos métodos de luta dos movimentos, provocando gradações de confusão e paralisia em organizações que até há poucos anos mostravam uma pujança capaz de destituir governos neo-liberais.Nem tudo, naturalmente, é atribuível à aliança entre o capital especulativo e o império. Só uma decidida política de mobilização social teria podido desarticular esta aliança predadora. Mas nem mesmo para os governos comprometidos com as mudanças, como o de Evo Morales, a aposta na mobilização social tem sido consistente e permanente.
Até agora optaram pela negociação, apesar dos escassos resultados obtidos. Por outro lado, foram as próprias políticas dos governos progressistas que, por não lhe porem limites, facilitaram a ofensiva do capital, Quando nos aproximamos da fase final da era progressista, impõe-se uma ampla avaliação de um período que começou com grandes esperanças de mudança.
Um dos elementos a ter em conta é o papel do Estado numa estratégia de mudança social. Uma boa parte destes governos surgiu num período de profunda crise do Estado, que inabilita como instrumento capaz de modificar o estado de coisas a favor dos de baixo. Nesta conjuntura tudo está relacionado com o tipo de mecanismos necessários para torcer o braço aos poderosos, única forma de fazer mudanças de longa duração.