7 de jan. de 2008

Baudelaire urgente

Em meados do século XIX, Charles Baudelaire (1821-1867) publicou em revistas variadas seus “Pequenos poemas em prosa” (reunidos em livro em 1869), que introduziram uma original utilização da prosa na literatura francesa. Poeta interessado em refletir a vida moderna, para Baudelaire a poesia podia se exprimir através da prosa, já que o poema, como a obra de arte em geral, não se definiria pela sua forma, mas pelo efeito produzido. O que importava era que os textos suscitassem no leitor o sonho e o devaneio. Ao mesmo tempo, nesses poemas breves e estranhos, o autor deixa entrever a sua concepção da arte e do artista, da natureza do belo, do amor e da morte, da ambivalência feminina, da passagem do tempo. A solidão, a evasão, as janelas e os espelhos também são elementos recorrentes. Segue as traduções livres de dois poemas.
O espelho
Um homem horrível entra e olha-se ao espelho.
– Por que razão você se olha ao espelho, uma vez que só poderá se ver com desagrado?
O homem horrível me responde:– Caro senhor, segundo os princípios imortais de 89, todos os homens são iguais perante a lei; portanto tenho o direito de me olhar; se é com agrado ou desagrado, isto só diz respeito à minha consciência.
Segundo o bom senso, eu tinha sem dúvida razão; mas, de acordo com a lei, ele não estava errado.
O porto
Um porto é um lugar encantador para uma alma cansada das lutas davidas. A amplitude do céu, a arquitetura móvel das nuvens, as tonalidades variáveis domar, a cintilação dos faróis, são um prisma maravilhosamente adequado para entreteros olhos sem nunca aborrecê-los. As formas sinuosas dos navios, com mastroscomplicados, aos quais a ondulação transmite oscilações harmoniosas, servem paraentreter na alma o gosto pelo ritmo e pela beleza. Além disso, existe sobretudo uma espécie de prazer misterioso e aristocrático para quem já não tem curiosidade ou ambição, em contemplar, inclinado no belvedere ou debruçado junto ao cais,todos os movimentos dos que partem e dos que voltam, dos que ainda têm a forçade querer, o desejo de viajar ou de enriquecer.

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