5 de out. de 2007

Atrás das cortinas no teatro do etanol

Nos últimos dias, os diversos meios de comunicação deram cobertura às viagens do presidente da República aos países europeus e aos Estados Unidos. Neste último, ao discursar na 62ª Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), ele defendeu, mais uma vez, o argumento dos biocombustíveis como solução para os problemas climáticos do planeta. Na mesma ocasião, segundo reportagem da Folha (Brasil, 26/9), o chanceler da República, Celso Amorim, rebateu a tese de que a produção de alimentos é afetada pelo crescimento da cultura canavieira para a produção do etanol, citando o exemplo do Estado de São Paulo. Essa última afirmativa, no entanto, vai na contramão dos dados oficiais do Instituto de Economia Agrícola, que apontam para a diminuição das áreas de 32 produtos agrícolas, dentre eles: arroz (10%), feijão (13%), milho (11%), batata (14%), mandioca (3%), algodão (40%) e tomate (12%), sem contar a redução de mais de 1 milhão de bovinos e a queda da produção de leite no período 2006-2007. Diante desses discursos, proponho-me a trazer ao palco do teatro do etanol os atores até então deixados atrás das cortinas: os trabalhadores rurais, os cortadores de cana dos canaviais paulistas. O que eles querem é só um "dedinho de prosa" com o presidente. Num diálogo imaginário, eles relatariam as "coisinhas simples" do cotidiano, do trabalho, da vida, enfim. Na sua grande maioria, são migrantes provenientes dos Estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais (em torno de 200 mil, segundo a Pastoral do Migrante). São homens, jovens entre 16 e 35 anos de idade. Durante oito meses ao ano, permanecem nas cidades-dormitório em pensões (barracos) ou nos alojamentos encravados no meio dos canaviais. Divididos em turmas nos atuais 4,8 milhões de hectares dos canaviais paulistas, são invisíveis aos olhos da grande maioria da população, exceto pelos viajantes das estradas que os vêem enegrecidos pela fuligem da cana queimada, chegando, até mesmo, a ser confundidos com elas. São submetidos a duro controle durante a jornada de trabalho. São obrigados a cortar em torno de dez toneladas de cana por dia. Caso contrário podem: perder o emprego no final do mês, ser suspensos, ficar de "gancho" por ordem dos feitores (sic) ou, ainda, ser submetidos à coação moral, chamados de "facão de borracha", "borrados", fracos, vagabundos. . Os salários pagos por produção (R$ 2,5 por tonelada) são insuficientes para lhes garantir alimentação adequada, pois, além dos gastos com aluguéis e transporte dos locais de origem até o interior de São Paulo, são obrigados a remeter parte do que recebem às famílias. . Nesse momento, os atores saem do palco e voltam para trás das cortinas. O presidente, ouvinte, sabe que eles falaram a verdade. Sertanejo não mente: esse é o código do sertão.
Fonte:Contag

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