Todos
apregoam e desejam uma administração pública eficiente, o que se traduz pelo
bom aproveitamento dos recursos públicos materiais e imateriais, isto é, por
sua utilização voltada para o atendimento da sociedade, especialmente dos
segmentos em que a presença do Estado se faz essencial, necessária. E o Estado,
em suas diversas esferas de poder, é ator que prepondera em quase todas as
cenas do nosso dia-a-dia, hajam vista os desequilíbrios que nos marcam enquanto
nação estabelecida há meio milênio em Terrae
Brazilis. Uma nação forjada pela paradoxal lógica do pacto
colonial, que, como se sabe, de pacto nada tinha, senão uma relação de
mandonismo e promiscuidade calcada nos postulados do mercantilismo, do
absolutismo e do monoteísmo católico complacente com a escravização de seres
humanos nativos e d’África.
Talvez
a maior dificuldade em implantar, por aqui, a República e seus primados –
embora seja ela a forma de governo proclamada há cento e vinte e cinco anos –
consista em nos desvencilharmos de valores tão arraigados quanto os que levam
em conta a máxima segundo a qual “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. O
latifúndio, a extrema desigualdade econômica vivencial e a profunda distinção
de tratamento entre gêneros completam o quadro caótico de nossa formação.
Implantar
a República significa vocacionar, com a transparência necessária, os diversos
setores governamentais, estruturada e sincronizadamente, para a persecução do
interesse público. A eficiência da máquina estatal se medirá pelo grau e pela intensidade
do atendimento aos reclamos comunitários de todos os rincões nacionais e pela
efetivação dos direitos sociais – o que os alemães chamam de “mínimo
existencial” – previstos no art. 6º da Constituição Federal. Quanto maior for o
fosso que separa ricos e pobres – aqui incluídos os remediados que não resistem
a três meses de desemprego –, mais distantes estaremos da concretização do
princípio da eficiência administrativa e, portanto, maiores os desafios a serem
enfrentados pelo eleitorado e pelos gestores públicos. E nada disso se realiza
sem o indispensável fortalecimento dos mecanismos de controle da pública
administração.
Por Jorge Hélio, Advogado, professor e colunista diário da
Tribuna Band News FM (101.7).
Sugestão de pauta: Paulo Humberto Freire Castelo Branco.
Enviado por Eri Santos Castro.
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Nesse
contexto, de águas turvas, baixíssima umidade relativa do ar e escassez de
recursos naturais e artificiais, pequenos gestos podem significar grandes
transformações, com o perdão da apropriação do título, que também é slogan, do programa de
autoajuda econômico-financeira da TV. Em qualquer cenário imaginado, porém,
temos um pré-requisito a cumprir, sem o qual todas as demais etapas do processo
emperram: a realização do acesso à justiça material. Somente com o acesso à
justiça acreditado por todos e implementado por igual para todos é que se
poderá, de fato, combater as causas da corrupção, em seus diversos graus, e da
impunidade, em suas distintas formas, que grassam no tecido nacional
brasileiro.
Na tão
desejada(?) e decantada(!) reforma política, não ouço falarem, por exemplo,
sobre o absurdo hiato entre o dia da eleição e o da posse dos eleitos. Explico.
As eleições para os cargos de Presidente da República, governadores dos Estados
e do Distrito Federal e prefeitos municipais, com os respectivos vices, se
fazem em dois turnos, por determinação constitucional, admitida uma reeleição
para um único período subsequente. Não cuidarei, aqui, mas em momento
específico, dos incontáveis males que o instituto da reeleição tem provocado ao
País.
Pois
muito bem. O primeiro turno das eleições para os cargos de chefia do
Poder Executivo e seus vices ocorre no primeiro domingo de outubro do ano
anterior ao do término dos mandatos (estes, convém lembrar, vão até 1º de
janeiro e não 31 de dezembro, como é costumeiro ouvir). O segundo turno, quando
houver, será realizado no último domingo de outubro. Assim, temos que o
primeiro turno acontece no primeiro domingo de outubro (de 1 a 7 de outubro, a
depender do ano em que ocorra) e o segundo turno, quando existir, no último
domingo de outubro (entre os dias 25 e 31), ficando a posse dos escolhidos pelo
povo-cidadão para o primeiro dia do ano que virá.
Ora,
tomemos o exemplo do que está acontecendo no Distrito Federal neste 2014. O
governador Agnelo Queiroz candidatou-se à reeleição e sequer chegou ao segundo
turno. Portanto, para ele, o pleito terminou em 5 de outubro (dia em que se deu
o primeiro turno), sendo flagrantemente rejeitado pelo eleitorado local. No
entanto, tem mandato a cumprir até a primeira hora de janeiro de 2015. São
quase três meses após uma rejeição nas urnas! Quase três meses governando “sem
compromisso” com mais ninguém! Imagine-se o destempero dos serviços públicos,
com operações tartaruga, servidores em greve, ocupantes de cargos em comissão
preocupados com seu próprio e não promissor futuro, terceirizados sem receber
seus salários das empresas com quem têm vínculo trabalhista real – aliás, essa
figura inconstitucionalmente proliferada na administração pública brasileira,
principalmente nos Estados no DF e nos Municípios, assume, nesses momentos de
crise, um papel de protagonismo impressionante! –, num ambiente em que ninguém
se entende e que, claro, se estenderá aos, pelo menos, seis primeiros meses da
gestão vindoura. O prejuízo social é incalculável. O financeiro, então… Um
descalabro geral.
O gesto
a ser praticado – que, em boa verdade, precisaria ser precedido por emenda
constitucional – seria a antecipação da posse dos eleitos para, no máximo, trinta
dias após a proclamação do resultado oficial pela Justiça Eleitoral. Isso
diminuiria a margem de manobra, propícia a malfeitos, dos governantes não
reeleitos ou que tivessem os candidatos por eles apoiados recusados pelo
eleitor. E a descontinuidade administrativa também seria sensivelmente
reduzida. E ainda: os candidatos se preocupariam em formar suas equipes de
governo (e, o que seria ótimo para as instituições políticas, tratariam de
divulgar os nomes dos integrantes de sua pretensa futura administração) e, com
elas, passariam a se comprometer com planos de governo mais factíveis e
menos mirabolantes do que ocorre hoje.
As
gestões são marcadas, no consciente coletivo, pela atuação dos gestores. Mas
essa metonímia não precisaria ser tão exageradamente enfatizada, com tanta
propaganda dos gestores travestida de publicidade das gestões. Quem viaja ao
Velho Mundo ou mesmo aonde os projetos de capitalismo de Estado foram mais bem
sucedidos nas Américas – casos de Canadá e Estados Unidos –, facilmente perceberá,
ao ligar a TV do quarto do hotel por mais de uma hora, que não se vê por aí
publicidade escancarada dos governos, a não ser em situações
excepcionalíssimas, em que os órgãos públicos comparecem perante a sociedade
para informar algo inadiável, ou orientar as pessoas sobre certas situações
excepcionais ou, ainda, para fazer campanhas de esclarecimento. Em todos os
casos – casos raros, diga-se – sendo indiscutível a prevalência do interesse
social nas intervenções. Que, aliás, nessas situações emergenciais, podem ser
feitas em espaços reservados às notícias, a custo zero.
Por
aqui, os gestores se enaltecem, turbinando suas biografias pessoais,
utilizando-se de dinheiro e espaço públicos (rádio e TV são concessões
públicas, convém lembrar), a preços privados – quando não superfaturados.
Praticam o “selfie pseudoinstitucional”. Isso ofende inúmeros princípios e
regras constitucionais, como a legalidade, a moralidade, a impessoalidade e a
eficiência administrativas.
Outro
dia, numa roda em Brasília, um diplomata europeu nos questionava, incomodado,
por que o Ministério Público não atuava contra essa deslavada propaganda que os
gestores fazem de si próprios, dos seus parentes (até mesmo dando os nomes
destes a prédios e outros bens patrimoniais públicos, quando, por vezes, eles
não fizeram, quando vivos, o suficiente para merecer tal homenagem, ou – o que
é, inclusive, frontalmente ilegal –, os nomes de pessoas vivas, que ainda não
concluíram suas obras existenciais) e de seus correligionários. Por que não se
utiliza mais o instituto da ação popular, que qualquer cidadão pode
protagonizar, para aplacar tais descalabros?
Alguém
respondeu que é porque o que temos de mais próximo da França é a Guiana
Francesa. A risada foi geral. O que dá pra rir…
Lembro-me
de outro episódio, numa cidade do sul do Maranhão. O meio-fio das calçadas das
principais ruas do lugar era pintado com a cor preferida e representativa do
grupo político que estivesse com o controle administrativo da prefeitura. Ora a
cidade estava apinhada de um azul entre anil e marinho, ora era a cor-de-rosa
que dava o tom visual nos principais passeios públicos locais. Tudo isso num
Município de maioria esmagadora pobre, analfabeta, sem teto digno, sem
saneamento básico, sem saúde, com vias mal pavimentadas e iluminação pública
precária e sintomas de forte insegurança. Cujas crianças solavancavam entre a
zona rural e a escola fundamental em caminhões do tipo pau-de-arara como
transporte escolar.
Incomoda-me
deveras o excesso de dinheiro público gasto – não é investido, não. É gasto
mesmo! – com inserções comerciais, quando se fala tanto em escassez de verbas e
excesso de demandas, quando se ameaça a cultura com falta de apoio, quando
agonizam os programas públicos assistenciais, quando se alardeia a necessidade
de apertar o cinto etc. Só não se fala do corte radical de dotação orçamentária
voltada à publicidade dos entes públicos. Esse ralo continua aberto, de cara
pro céu. Por que será?
O art.
37, § 1º, da Constituição estabelece, sem margem a dúvida, que: “A publicidade
dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter
caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo
constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de
autoridades ou servidores públicos.”
Portanto,
as publicidades, levadas a termo apenas quando estritamente necessárias, com o
fim de educar, de informar ou de orientar as pessoas, deveriam conter
tão-somente os nomes dos órgãos ou entes que pretendem comunicar-se com a comunidade,
com os respectivos símbolos oficiais (o brasão, por exemplo, no caso de União,
Estado, DF ou Município) e o teor do aviso, advertência ou mensagem educativa.
Uma
hipótese: “A Prefeitura Municipal de [nome do município], por meio da
Secretaria de Saúde, (ou, simplesmente, ‘A Secretaria de Saúde do Município de
[nome do município]’) informa que será realizada vacinação geral das crianças
de zero a cinco anos contra varíola, sarampo e difteria, nos dias 4 e 5 de
dezembro, das 7h00 às 18h00, nos postos de saúde municipais. Maiores
informações, inclusive com os endereços dos postos, poderão ser obtidas no site
da Prefeitura – www.prefeituramunicipalde[nome do município].gov.br – ou pelo telefone (0[operadora][ddd])0000.0000.”
Perceba
que a peça publicitária fictícia não cita obra a ser inaugurada, com a figura
do prefeito aparecendo com destaque maior do que o feito administrativo – e,
muitas vezes, mais cara a peça do que a obra, o que é mais abjeto – nem faz qualquer
menção a seu nome ou a slogan que tipifique sua gestão. Não há necessidade
disso! Todos sabem quem é o prefeito municipal e não haverá dúvida de que a
realização tem o DNA dele e o timbre de sua equipe. O resto é com o eleitorado,
que não é outro senão o que está aí. E a dinâmica da vida política servirá de
bússola para o desenrolar das demais relações entre a hasta pública e o mundo
privado.
Ademais,
quando os gestores atuais concluírem os seus mandatos, os vindouros mandatários
não precisarão incinerar toneladas e toneladas de material de escritório,
repintar paredes e veículos automotores, destruir placas e cartazes e outros
bens da administração, para retirar as logomarcas das gestões de seus
antecessores e afixar as novas, alusivas ao novo governo, e assim por diante.
Quanto desperdício! Use-se uma marca definitiva da entidade. A título de
exemplos: Governo Federal (com o símbolo oficial próprio), Governo do Estado
“tal” (acompanhada a inscrição do símbolo oficial do Estado), Prefeitura
Municipal de “tal lugar” (no plano visual, acompanhada a expressão do símbolo
oficial da municipalidade). Só isso. É só seguir a teoria de Rogério Flausino:
“Fácil, extremamente fácil.”
A
verdade é que, ressalvadas microscópicas exceções – não consigo identificar nenhuma
assim de memória –, todos fazem a mesma coisa, no ponto, em flagrante e
contínuo desrespeito às normas constitucionais citadas, sob as vistas cegas dos
órgãos de fiscalização, como os tribunais de contas e as controladoras
internas. Onde todos erram, parece desaparecer a noção do que é certo e a ideia
sobre o que é legal ou ilegal passa a ser uma questão de hermenêutica..
Dessa
forma, não se pode confundir a necessária publicidade dos atos governamentais,
realizada a título de prestação de contas ao eleitor e contribuinte, e que
precisa revestir-se de caráter educativo, informativo ou de orientação social,
com a intolerável (e punível, se bem aplicadas as normas de regência)
propaganda pessoal dos gestores, cuidadores que são de bens e valores de propriedade
difusa, a todos pertencentes (inclusive a eles, gestores), e que não podem,
impunemente, locupletar-se dessa condição, agregando às peças publicitárias
institucionais seus próprios nomes, os slogans de suas administrações ou
símbolos que remetam o leitor ou ouvinte a personalizar a gestão, a fulanizar a
coisa pública. E é isso que a norma constitucional determina: a principiologia
feudal, adotada entre nós desde as capitanias hereditárias, precisa ser
lembrada apenas como marco histórico remoto, devendo ser sucedida – já tarde,
mas ainda em tempo – pela republicanização do aparato estatal como marca
histórica definitiva.
Taí uma
boa dica para 2015! E para todos os anos que acaso vierem.
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