30 de ago. de 2014

O ex-porta-voz do PRC Ozeas Duarte fala do livro que fez a sua cabeça e da presidenciável Marina Silva

 Participei em 1989, aos 21 anos de idade, do 3º Congresso do PRC-Partido Revolucionário Comunista, organização clandestina (Partido de Quadros) que atuava no interior do PT (Partido de Massas), como delegado da célula do Maranhão.  
Meu codinome era Euclides.

 Sobre construção partidária a tese vitoriosa foi a dissolução do partido, a sua desconstrução, defendida por José Genoino e Tarso Genro. 

Acompanhei a tese do economista mineiro Ronald Rocha, do então vereador de Belém Humberto Cunha e do saudoso ex-presidente da UNE Valmir Santos que defendíamos a  manutenção do PRC. Ozeas Duarte junto com a então vereadora do Rio Branco Marina Silva, esposa do companheiro Fábio Vaz de Lima, defenderam a tese de constituição de uma outra organização não leninista, que deveria se denominar ORGANIZAÇÃO REVOLUCIONÁRIA VICTOR SERGE. Conheça um pouco de Serge pelo farol de Ozeas. 

Nesse período surgiram duas tendências no interior do PT (partido de massa), a partir do PRC (partido de quadros) : a tendência marxista e a Nova Esquerda que depois deu origem à Democracia Radical e depois à 'Mensagem ao Partido', onde o governador  do RS Tarso Genro, a ex-governadora do Pará Ana Júlia Carepa, a ex-prefeita de São Paulo Luizianne Lins, o ex-governador do RS Olívio Dutra, os senadores Jorge Viana, Eduardo Suplicy, os ministros Eduardo Cardoso e Miguel Rossetto e tantos outros militamos.

Em pé, da esq. para a dir., Ariston Oliveira Lucena, Gilberto Luciano Beloque, Paulo de Tarso Vannuchi, José Genoino Neto e Manoel Cyrillo de Oliveira Netto; sentados, Ozeas Duarte de Oliveira, Aton Fon Filho, Reinaldo Morano Filho, Celso Antunes Horta e Hamilton Pereira da Silva. A foto foi tirada por Reynaldo Morano, pai do autor do texto, em 1975, no pátio do Presídio Político do Barro Branco, em São Paulo
Em pé, da esq. para a dir., Ariston Oliveira Lucena, Gilberto Luciano Beloque, Paulo de Tarso Vannuchi, José Genoino Neto e Manoel Cyrillo de Oliveira Netto; sentados, Ozeas Duarte de Oliveira, Aton Fon Filho, Reinaldo Morano Filho, Celso Antunes Horta e Hamilton Pereira da Silva. A foto, em 1975, no pátio do Presídio Político do Barro Branco, em São Paulo. Todos presos políticos por combater a  Ditadura Militar que Sarney era o presidente do partido da Ditadura.


No começo de 1992, a então deputada estadual Marina Silva desembarcava no aeroporto de Rio Branco ao lado do marido Fábio Vaz de Lima (E), do amigo e assessor Erlando Alves Melo (D), e dos filhos, Shalon, Danilo, Moara e Maiara. O grupo regressava de Santos, após Marina ter passado um período em tratamento de saúde na cidade. O PT decidiria entre Marina e Jorge Viana o sua candidatura a prefeito de o foi Rio Branco. Marina se curada seria ela a candidata. O candidato foi Jorge Viana e ganhou às eleições.

por Ozeas Duarte


Prefiro falar sobre um livro que "desfez" minha cabeça. Na época em que ingressei na política, Partido Comunista e esquerda eram expressões quase sinônimas. E cabeças leninistas são a prova do tempo. Não são livros quaisquer que as "desfazem".

A rigor, livros nem as atingem, só o martelar delas no granito da prática e do erro... Mas, já que devo falar de livro, que seja especial. Daqueles que ferem sem cura o espírito.

Livros "bons" não existem em abstrato. "Bons" são os livros que estamos preparados para ler, e precisamos ler. Talvez por isso Memórias de um Revolucionário, de Victor Serge, tenha me impactado tanto. Hoje, quem sabe seria diferente.

Há ali o testemunho de um personagem épico. Discorre sobre a história, de dentro dela. Desde os primeiros anos do século, filho de exilados anarquistas russos, até o segundo pós-guerra. Revoluções, levantes operários, repressões, guerras são a matéria da sua reflexão. Viva, crítica, palpitante.

Mas há, acima de tudo, observações notáveis sobre a Revolução Russa. A obra monumental de Trotski a respeito do tema é profícua na análise sociológica e do jogo de poder. A marca de Serge é a crítica humanística radical.
É texto do bom jornalista capaz de escrever belos romances. 

Os atores sociais, convertidos em personagens, são observados pelo olhar penetrante de quem perscruta a alma, não interesses nem cálculos estratégicos. Resulta um livro que aniquila qualquer razão otimista, quer repouse sobre a crença numa vanguarda, quer sobre apostas no "instinto revolucionário das massas".
Não que seja uma obra sem esperanças. Muito ao contrário, ela corrói, isto sim, a racionalidade mítica, ilusória, falsa e... totalitária. Mas ergue um motivo grandioso para se lutar. Um ideal de emancipação humana verdadeiro, desinteressado, profundo, que a percorre da primeira à última página. É criação de humanista militante, não de um político.

Duas passagens ilustram esse espírito, capaz de conferir uma tremenda força moral a cada frase, cada palavra. A primeira refere-se ao momento em que Serge, anarquista convicto, decide voltar para a Rússia, depois de 1917: "Eu tomara meu partido, não seria neutro e nem contra os bolcheviques, ficaria com eles, mas livremente, sem abdicar do pensamento nem do senso crítico. As carreiras governamentais eram de fácil acesso para mim, decidi evitá-las e até evitar, na medida do possível, as funções que implicavam o exercício da autoridade: outros aí se deleitavam de tal forma que julguei permitida essa minha atitude, evidentemente errônea."

O exercício do "senso crítico" iria custar a Victor Serge vários anos de Sibéria, naturalmente. Mas nem assim seu antibolchevismo será associado ao mais leve sinal de espírito renegado. Em 1941, a caminho do exílio mexicano, a Rússia sob ataque nazista, ele anotou: "Entre esses homens - os perseguidos da oposição - os que sobrevivem, se hoje pudessem lutar pelo povo russo, pelas fábricas que o povo russo construiu com seu suor e seu sangue, pelas velhas bandeiras vermelhas dos guerrilheiros do Ural e dos proletários de Petrogrado... esses homens, acorrentados há mais de dez anos, lutariam com todo consentimento. E, saído das mesmas prisões, este que escreve essas linhas lutaria como eles. Pois a salvação do povo russo e de sua obra revolucionária é hoje essencial para a salvação do mundo."

Serge morreu em 1947, como nascera, exilado. Pobre e no ostracismo. Poderíamos concluir, afoitamente: "foi um derrotado...". Mas depois de tudo o que vimos desde então, na URSS e no Ocidente, esta afirmação soaria no mínimo temerária. Ele está entre aqueles que anteciparam uma idéia fundamental e atualíssima - a idéia de que a emancipação humana só se torna possível como realização da democracia.
Isto, dito da forma como foi dito, atuou como poderoso dissolvente sobre o meu leninismo claudicante ...
Aproveito para sugerir à Companhia das Letras a reedição deste livro imprescindível. Não é produto de ocasião. Para uma obra dessas haverá sempre novas gerações de leitores.



 * Ozeas Duarte foi Porta-Voz do PRC-Partido Revolucionário Comunista, organização clandestina que atuava no interior do PT, na década de 80 e início de 90. Figuras públicas como o ex-presidente do PT José Genoino, o atual governador do RS Tarso Genro, o cientista político Aldo Fornazieri, o líder do PT na Câmara e vice-presidente do PT José Guimarães, o sociólogo e atual assessor político da presidência do PT Francisco Campos, o saudoso Chico Mendes, o cientista político e marqueteiro de Flávio Dino Juliano Corbelline e a candidata a presidenta Marina Silva cerraram fileiras no PRC  é membro Diretório Nacional do PT.

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