31 de dez. de 2013

"Sou trepadeira, gozar não é privilégio masculino", diz Danielle Anatólio, professora de História

A atriz e professora de História Danielle Anatólio comenta a polêmica envolvendo a música Trepadeira, do rapper paulistano Emicida

Assim como o RACISTA se justifica dizendo: ”eu peço desculpas, foi apenas um comentário infeliz” (Fala de Micheline Borges) o MACHISTA se explica dizendo ”é apenas uma música, é ficção e poesia” (Fala de Emicida ao justificar a música Trepadeira).
Micheline é uma jornalista que disse: ”Me perdoem se for preconceito, mas essas médicas cubanas têm uma cara de empregada doméstica” e Emicida é um rapper, eu disse rapper, que fez uma música cheia de violência contra a mulher negra: “essa nega é trepadeira, devia era levar uma surra de espada de São Jorge’’
Ambos se justificaram pelos atos de racismo e machismo que cometaram, mas aqui neste texto quero me ater ao segundo caso, o de Emicida.
Poesia? Música? Arte??? Não há poesia, teatro, música, dança ou arte alguma que justifique o preconceito e violência contra o outro. Eu, em meus trabalhos artísticos, tenho enorme cuidado e respeito no que proponho, faço, penso e represento, isso porque estou fazendo também para o outro e porque sei que naquele momento, em cena, eu sou referência.
Uma letra que diz ”Dei todo amor, tratei como flor, mas no fim era uma trepadeira. Mamãe olhou e me disse: isso aí é igual trevo de três folhas, quer comer, come, mas não dá sorte. Devia era levar uma surra de espada de São Jorge”  para mim é, sim, violenta, agressiva, desrespeitosa para com a mulher, especialmente porque nesta letra, segundo as característica que o músico expressa, é uma mulher negra.
Outro dia na escola em que trabalho uma aluna apanhou dos colegas (meninas e meninos) por que foi taxada e considerada  “TREPADEIRA”. Isso por que ela teve maturidade e independência ao assumir que transou com um rapaz e depois não quis continuar a relação com ele, iniciando nova relação com outra pessoa.
Música como esta de Emicida só contribui para este tipo de mentalidade e desvalorização da mulher. Ela é tão machista quanto algumas de Zeca Pagodinho, por exemplo, Faixa Amarela: ” Eu quero presentear a minha linda donzela, não é prata nem é outro, é uma coisa bem singela. Mas se ela vacilar, vou dar um castigo nela, Vou lhe dar uma banda de frente, Quebrar cinco dentes e quatro costelas’’ e  tão racista quanto a música de Tiririca: “Essa nega fede, fede de lascar. Bicha fedorenta, fede mais que gambá”.

(Reprodução)
Estamos caminhando para onde? Estamos naturalizando o racismo e machismo? Ah pois! Este tipo de violência (que nem todo mundo enxerga, ou melhor, não quer enxergar) me fez também lembrar que, em minha infância, Xuxa e sua  trupe, em suas músicas e filmes, violentaram meus sonhos ao me dizer que eu, menina negra, não poderia ser paquita, não poderia ser atriz. Percebem? Tudo isso é violento, é  estupro e genocídio contra as mulheres negras.
Ao fim de sua justificativa, Emicida responde às mulheres afirmando: ”mulheres, estamos do mesmo lado”. Não, não estamos mesmo! O lado que estou é o que luta pela dignidade DO SER MULHER NEGRA; O meu lado não reforça o machismo já existente; o meu lado não pode justificar o preconceito usando para isso licença poética; o meu lado está morrendo aos poucos sendo estuprado há séculos por uma sociedade falocrática; o meu lado sabe da urgência e luta pelo empoderamento da MULHER NEGRA; O meu lado construiu e ainda constrói os pilares de continuidade ao Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha.
Se atente ao Tempo, respeite nossa Ancestralidade!
#CAMPANHASOUTREPADEIRA PORQUE GOZAR NÃO É UM PRIVILÉGIO MASCULINO, NÃO!
Por Danielle Anatólio, do Blogueiras Negras.
Enviado por Eri Santos Castro.
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