Professor Arnaldo, apoia a tese do PT com Flávio Dino |
O pais do futebol, em que tudo acaba em samba e muitas
vezes em “pizza”, vive um momento “mágico-real”, e a
certeza dos desmandos de outrora – que antes contavam
com a complascência das massas e sua degradante
sonolência – cede espaço, agora, a manifestações
e protestos organizados pela juventude em centenas
de cidades brasileiras.
A aceitação passiva das massas ganhava corpo no Brasil e
acomodava-se em nome da tão famigerada estabilidade
econômica. Era preciso mostrar ao mundo que “o Brasil é
um país viável e sem riscos para investidores estrangeiros”.
Por outro lado, o circo do futebol fortalecia a ideia de que
precisávamos construir ou reformar estádios em todo
o país para sediarmos a copa de 2014. Deveríamos exibir
a pungência futebolística brasileira simbolicamente expressa
em dribles e espetáculos gigantescos capazes de demostrar aos
olhos do mundo a força da brasilidade entre as quatro linhas.
Este era o aspecto simbólico que ocultava, todavia, o que
estava por trás das câmeras, nas obras
(segundo denuncias) superfaturadas e nos interesses
escusos de empreiteiras motivadas por verbas estratosféricas,
no valor de 28 bilhões de reais.
Tão propício quanto o circo, para completá-lo com lances
cavalares de alienação, seria o pão. Mas o brasileiro fugiu
ao binômio “pão e circo” e foi às ruas protestar por
mais saúde, educação, segurança pública, pelo fim da corrupção
e pela diminuição das tarifas dos transportes públicos.
Ressalte-se, no entanto, que este último ponto foi apenas
o estopim de uma situação insuportável: a omissão do
Estado brasileiro quanto à promoção de políticas
públicas que proporcionem qualidade de vida e promovam
a cidadania. Diante da rebeldia com causa do povo
brasileiro, nem mesmo o circo da bola, com sua magia,
foi capaz de driblar a realidade. E, numa analogia critica,
faixas e cartazes passam a exigir escolas e hospitais
com “o padrão FIFA”.
Não se pretende com isso desconsiderar a importância
do futebol e sua influência cultural para o brasileiro.
Sabe-se que o futebol tem uma relação muito próxima
com o gingado, com a dança, com as habilidades expressivas
do corpo e daí, portanto, a forte vivência de nossa
gente com este esporte. A obra “Raízes do Brasil”, de Sergio
Buarque de Holanda, aponta como as manifestações
artísticas se fazem sentir com bastante intensidade num
país resultante da forte miscigenação racial como a
nossa. Não há dúvidas: o futebol é uma arte aprazível
aos olhos do brasileiro.
Não nos causaria espanto, porém, afirmar que uma
motivação de natureza psicológica também justifica
a paixão do brasileiro pelo futebol e sua quase cegueira secular
face aos problemas do país. É que, na ausência de políticas
inclusivas no Brasil, a grande massa tornou-se excluída
econômica e socialmente. E depois de uma semana de
trabalho e dificuldades para driblar o cotidiano, o brasileiro
vai aos estádios e espera marcar, no plano da fantasia do
futebol, os gols que não consegue fazer nos lances da vida real.
Durante noventa minutos o inconsciente coletivo é abastecido
pelo alimento fantástico da ilusão: seja nos estádios, seja em
casa, via televisão – direcionada não a promover o espetáculo
em si –, mas também a atender à grande jogada de
empresas e anunciantes e, não raro, a interesses de cartolas.
Desta forma, a ilusão transfigura a realidade e a dificuldade
se traveste em fantasia, com “gols de placa” e apoteoses de
alegria. Foi assim que durante tantas vezes a nossa pátria
mãe gentil dormiu um sono profundo e não percebeu que,
enquanto dormia, era subtraída em tenebrosas transações.
Talvez estejamos, agora, amadurecendo a nossa cidadania.
Acreditamos que nada será como antes. E preferimos ratificar
a dialética afirmada pelo filósofo Heráclito, séculos antes de
Cristo: “o homem não toma banho duas vezes no mesmo rio
da mesma maneira”. É bom lembrar o que dizia o velho Marx
“a história não se repete a não ser em forma de farsa."
Aproveitemos – agora – a oportunidade de construirmos a
mudança e não nos acomodemos com a certeza de que
findado o crepúsculo, surgirá a aurora. Pois o exercício da
cidadania exige participação. Afinal, só se aprende
a caminhar, caminhando! Não conheço nenhum grande nadador
que se tornou campeão apenas lendo um manual de natação.
É preciso mergulhar na piscina, como é preciso lutar, transformar,
ir às ruas.
É assim que a doce utopia da brava juventude brasileira
deixará de ser, até mesmo aos olhares mais reacionários,
simples quimera e se transformará na energia de ativação
capaz de mobilizar multidões e tirar da hibernação a força
revolucionária do povo brasileiro, libertando-o da latência,
da letargia e da miopia acomodadoras de outrora.
Salve o povo brasileiro! Salve a nossa juventude! Vamos às ruas!
Por Arnaldo Gomes de Sousa.
Professor de Língua Portuguesa,
Acadêmico dos últimos períodos do Curso de Direito,
filiado ao PT e ex-prefeito de Altamira.
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