Como a tecnologia trabalha para inventar os fatos?
O artigo é de Franciso Taunay. Um debate precioso.
No romance de Kafka, O Processo, o personagem Joseph K. acorda com policiais que vêm informá-lo sobre sua condição de réu em um processo movido pela Justiça. Após uma série de peripécias e de idas e vindas pela burocracia do judiciário, ele será executado como um cão, sem nunca ter descoberto o motivo da acusação.
O filme Soylent Green, ficção científica de 1973, estrelado por Charlton Heston, mostra o mundo em 2022, onde o governo promove o suicídio assistido de pessoas mais velhas, no caminho da aposentadoria. Ao investigar um caso envolvendo um alto funcionário do governo, o detetive Thorn descobre, abismado, que os biscoitos usados como a maior fonte de alimentos da população eram feitos de carne humana!
O que estas duas distopias têm em comum? Elas mostram como o Estado, essa máquina poderosa de produção e distribuição de poder, pode coagir as pessoas, criar mecanismos onde o ser humano pode ser torturado, aniquilado e reduzido a nada.
Não é preciso mergulhar no mundo da ficção para descobrir eventos desta natureza: existe o exemplo do Holocausto, dos desaparecimentos em massa na Argentina dos anos 70, dos crimes do Khmer Vermelho, assim como os campos de concentração implementados por Stalin na ex-URSS. O crucial nestes processos é não somente matar aqueles que desafiam o sistema, mas apagá-los da memória. Os exemplos do Stalinismo são clássicos, com pessoas que foram simplesmente apagadas das fotos, ou vídeos que foram manipulados, para que a realidade apareça de forma diferente nos documentos oficiais.
Sorria, você está sendo filmado
A fotografia mostrou como a imagem congelada pode servir para
identificar criminosos, assim como o vídeo de segurança é uma arma e um
estímulo contra o ato criminoso. Mas o que dizer quando a manipulação
das imagens, algo cada vez mais sofisticado nos dias de hoje, servir
para condenar um inocente, ou inocentar um culpado?Podemos então imaginar um futuro onde o governo ou as grandes corporações possam condenar pessoas criando “evidências” da sua culpabilidade com as ferramentas de um computador. Ou até mesmo políticos flagrados em vídeo, que apagam suas falcatruas com truques virtuais. Esta realidade está cada vez mais próxima; vide a nova ferramenta do Photoshop, Vanishing Point, onde podemos com facilidade apagar uma pessoa ou um objeto da foto, redimensionando o cenário de fundo.
Os gráficos de computador, cada vez mais avançados, também, em pouco tempo, poderão recriar de forma perfeita uma pessoa, assim como colocá-la em determinada situação, nos aproximando do pesadelo futurista. Existem então novas formas de verificar a veracidade de um determinado objeto, como no caso dos pesquisadores da Física na PUC do Rio de Janeiro, que desenvolvem um método para identificar quadros através do magnetismo das tintas, criando uma espécie de impressão digital, à prova de falsificação. Assim, a própria tecnologia deve tentar proteger-se de si mesma, em busca de uma ética improvável.
Editado por Eri Santos Castro.
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