27 de jun. de 2011

Amor sem revolução (2)

O primeiro ano do resto de nossas vidas

Aquele homem de chapéu de palha, mal vestido, pele suada e gestos largos falava diferente. O timbre da voz e o discurso eram diferentes. Uma oitava acima, falava com emoção sobre campesinato, reforma agrária, sangue na luta pela posse da terra, grilagem e revolução. Bem articulado, usava as palavras mais simples, às vezes desconexas, e tropeçava na gramática, mas ganhava a plateia pelo discurso inflamado. Setembro de 1985. O Grêmio Estudantil Coelho Neto, do Colégio Marista, convidara alunos de outros escolas para o debate com os candidatos à prefeitura de São Luís. Era a primeira eleição para prefeito com o carimbo da Nova República, depois de 20 anos de regime militar. Na plateia do auditório do Marista estavam secundaristas ávidos por embates, informação e festa.

O homem que falava pelos cotovelos para um auditório abarrotado de jovens vestidos a maioria em uniformes de escolas particulares, como Marista, Dom Bosco, Meng, Santa Teresa e Batista, era Luiz Vila Nova, trabalhador rural e líder comunitário que trazia do campo a mão calejada e a voz embargada de indignação. Ganhara na conversa a simpatia de muitos ali sentados para ouvi-lo, como Flávio Dino, Carlos Macieira, Lúcio Santos, Carvalho Neto, Luiz Filho, Darlan Andrade, Márcia Maia, Froz Sobrinho, Ney Bello Filho, Sergei Medeiros, Eri Castro, Manoel Matos, George Góes Freire, Cândido Hermes, Jadiel, Artur Bouéres, Washington Torreão, eu e tantos outros. A maioria sequer votaria naquela sexta-feira, 15 de novembro - o voto facultativo aos 16 anos só seria instituído nas eleições de 1989.

Vila Nova era um ilustre desconhecido para grande parte da cidade e concorria à Prefeitura de São Luís pelo Partido dos Trabalhadores (PT), agremiação criada havia cinco anos no calor das greves do ABC paulista. No centro da disputa pelo controle da capital maranhense estavam figuras já conhecidas da política, como Jaime Santana, Jackson Lago, Haroldo Sabóia e também Gardênia Gonçalves, que encarnava o legado político do ex-governador João Castelo. Além de Vila Nova, corria por fora na campanha o advogado Emanoel Viana.

A “Força Total” de Jaime Santana, não obstante o apoio ostensivo do presidente da República José Sarney, do governador Luiz Rocha e do prefeito Mauro Fecury, foi fragorosamente atropelada no voto pelo jingle de Billy Blanco criado para a candidata Gardênia, eleita para o mandato de 1º de janeiro de 1986 a 1º de janeiro de 1989. O camponês ficou em 5º lugar, mas deixou uma semente qualquer plantada.

Alguns daqueles meninos da plateia deixavam para trás o terceiro ano científico das escolas e levavam para a universidade fragmentos da revolução anunciada nos livros da Editora Vozes e na voz grave de Vila Nova. 1986 era o primeiro ano do resto de nossas vidas. O mundo já não era mais o encanto das experiências compartilhadas com pudor na cantina do colégio e da anistia para os amores mal resolvidos em sala de aula. Havia uma revolução velada dentro da gente. Cada um a cultivava a seu modo e risco: na militância do movimento estudantil, na dúvida persistente (a novidade da dialética), nas noites de lua e catuaba, na anarquia ou na poesia. Ou tudo ao mesmo tempo. A universidade era a aventura da descoberta e da desconfiança, o templo da provação.

Frases pichadas nos muros do Marista:

“O medo de amar é o medo de ser livre”

“O tempo é o porto da saudade”

“Navegar é preciso, viver não é preciso”


Por Félix Alberto, no Redemoinho. Veja aqui.
Enviado por Eri Santos Castro.
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