12 de dez. de 2010

Um torturador na mira da Justiça

Em tempo: o senador Sarney era o presidente do partido da ditadura militar
 
Dona Iracema pegou algumas roupas do filho no armário e as colocou numa mala, com o intuito de levá-la de Santos, onde morava, a São Paulo. Vendo a cena, Regina, sua filha, estranhou: “Mamãe, por que você está fazendo isso?”. “São as roupinhas para seu irmão”, respondeu. Já haviam se passado quatro dias da morte, aos 23 anos, de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, filho de Dona Iracema, mas ela acabava de receber a notícia. Ainda em estado de choque, não queria aceitar a realidade. Merlino, militante de oposição à ditadura civil-militar brasileira, havia morrido em 19 de julho de 1971 em consequência das torturas que sofrera na sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), um dos principais órgãos de repressão da ditadura, na capital paulista.

A versão oficial, que consta do laudo necroscópico assinado pelos médicos legistas Isaac Abramovitch e Abeylard de Queiroz Orsini, é a de que ele tinha se suicidado ao se jogar à frente de um carro na BR-116, na altura da cidade paulista de Jacupiranga, após tentativa de fuga. Dona Iracema faleceu 23 anos depois, vítima de câncer, sem ter o reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, de sua responsabilidade pela morte do filho. Tentando reparar essa injustiça, Regina Maria Merlino Dias de Almeida, irmã de Luiz Eduardo, e Angela Maria Mendes de Almeida, sua companheira, entraram recentemente, na Justiça do estado de São Paulo, com uma ação de indenização por danos morais contra o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra. Entre setembro de 1970 e janeiro de 1974, ele comandou o DOI-Codi.

Mas não é a primeira vez que a família de Merlino propõe uma ação contra Ustra. Em outubro de 2007, Regina e Angela moveram uma ação declaratória de danos morais contra o militar aposentado – ou seja, esperava-se apenas o reconhecimento, pela Justiça, de que ele havia sido o responsável pela tortura e morte de Merlino. O mesmo tipo de processo já havia sido impetrado pela família Teles. Em outubro de 2008, Ustra foi declarado responsável pelo sequestro e tortura de César Augusto Teles, Maria Amélia de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida.

No entanto, entre julho e setembro do mesmo ano, três desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiram – por dois votos a um – pela extinção da ação dos Merlino ao se manifestarem sobre um recurso da defesa que “simplesmente questionava a fórmula usada, ou seja, a ação declaratória”, como conta Angela. “Os dois votos vencedores, entre mil filigranas, disseram que não cabia, no caso, uma ação declaratória por minha parte e da Regina porque nós ‘não tínhamos interesse’, o que um leigo pode mais ou menos traduzir como a afirmação de que o que cabia era uma ação por danos morais na área cível”, explica. Depois de dois recursos dos advogados de acusação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, a ação foi definitivamente extinta em julho de 2010.

Da CartaCApital
Enviado por Eri Santos Castro.

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