Ainda tenho o recorte de um jornal de 21 de abril de 2007 com a foto da Comissão de Direitos Humanos, da Câmara dos Deputados, a qual no dia anterior realizara uma audiência pública na Assembléia Legislativa maranhense, com o intuito de investigar alguns crimes no nosso estado de repercussão política a nível nacional, incluindo assassinatos de prefeitos e do poeta Gerô.
Nesta foto, a deputada federal Janete Rocha Pietá (PT-SP) estampa estarrecimento no rosto e no gesto da mão colocada na boca, como a conter um grito de horror ao olhar o laudo do exame cadavérico do referido compositor popular.
Meses depois, eu teria acesso àquele laudo, durante uma visita que nós – familiares e amigos de Gerô – fizemos ao juiz José Luis Oliveira de Almeida, da 7ª Vara Criminal. O impacto que sofri foi tão grande que não passei da quinta página do volumoso processo. Ali estava com toda crueza o produto da maldade e barbárie humana: órgãos perfurados, dilacerados; ossos fraturados, quebrados; um corpo literalmente massacrado! Impressionante! Terrível! Senti minhas mãos gelarem, e exclamei: Meu Deus!!!
Faço essa sintética rememoração para que não esqueçamos nunca que a morte de Gerô foi um crime hediondo, precedido de torturas com requintes de sadismo e crueldade inimagináveis. E não rememoro para suscitar sentimentos de vingança, de rancor, de ódio. Mas, sim, com o objetivo de reivindicar intransigentemente que se faça JUSTIÇA – e que não tarde, não falhe e nem seja pela metade.
Por isso, cabem algumas perguntas, evidentemente incômodas, aos operadores da Justiça deste estado que direta ou indiretamente lidaram com o “Caso Gerô”:
1. Por que o capitão Nildson Lenine Rabelo Pontes e o tenente Carlos Alessandro Rodrigues Assis foram inocentados? O capitão, todos sabemos, todos ouvimos, foi o que articulou “via rádio” a simulação de uma morte natural, quiçá do suicídio de Gerô; e o tenente assistiu “passivamente” à prisão, espancamento e gritos lancinantes de Gerô – que ecoaram pelo Terminal da Integração da Praia Grande. Só não ouviu quem não quis ouvir.
2. Por que as penas individuais dos policiais que executaram Gerô – soldados Paulo Roberto Almeida Paiva e José Expedito Ribeiro de Farias, e o sargento Sérgio Henrique Mendes – ficaram somente em 9 anos e 4 meses de cadeia? Extremamente brandas para a magnitude do crime. Basta ouvir o clamor das ruas.
3. Por que, agora, dia 5 de outubro/2009, a pena do ex-sargento Mendes foi reduzida para 1 ano e 2 meses? Quando o mesmo não foi um mero “caroneiro omisso”, mas, participou ativamente, sim, do massacre; foi o Mendes o que mais espancou Gerô no porta-malas do carro policial em frente à Delegacia de Costumes, assistido por inúmeras testemunhas, inclusive por um flanelinha que teria sido ameaçado de morte pelo referido ex-sargento. Estranhamente, só não sabem disso os desembargadores Lourival Serejo e José de Ribamar Fróz Sobrinho.
4. Enfim, até que ponto se pode confiar numa Justiça que protege os criminosos fardados que executaram barbaramente o poeta Gerô e os que tiveram autoridade e oportunidade para evitar que o crime se consumasse e não o fizeram?
Pelo andar da carruagem, daqui a alguns dias teremos a patética notícia que os dois ex-soldados assassinos, ainda presos (será!?), Paulo e Expedito, são “inocentes”. E, assim, os operadores da Justiça não apenas se tornarão co-responsáveis e cúmplices pelos assassinatos de tantos outros Gerôs, como os executores do segundo massacre à memória do poeta, tão hediondo e perverso quanto foi a primeira versão. Pois, essa irresponsabilidade ou conivência acaba por reforçar a tramóia maquiavélica e racista urdida pelo capitão Lenine e sua comandita – a de que o cidadão negro Jeremias Pereira da Silva (o Gerô) era um ladrão ou um louco e se suicidara na cela do Terminal da Integração.
Mas a voz de Gerô não se cala a exigir justiça!
E, essa voz ecoará nas consciências dos que ainda as possuem…
Por Magno Cruz (Militante do Movimento Negro e do Movimento de Direitos Humanos).
Enviado por Eri Santos Castro.
Um comentário:
E isso tudo que vc coloca me relembra o sentimento de culpa com que fiquei:estava indo p/o plantão no ônibus,já atrasada;ainda me levantei pra pedir parada,mas recebi um telefonema do colega q/precisava sair e desisti.Não esqueço até hoje da cena daquele homem sendo levantado e jogado no chão e pisado e fico com aquela sensação doída de culpa por não ter tentado;me dá vontade de chorar;tarde demais pra saber se minha intervenção teria feito a diferença.Desculpe o comentário longo.
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