15 de fev. de 2009

Porque hoje é domingo



O telescópio, as estrelas e o amor

Amanhã irei comprar um telescópio doméstico para registrar na memória o desenho das estrelas. Poucas vezes, depois de adulto, eu direcinei meus olhos para o cima. Lembro do céu de Pinheiro e do Parque Amazonas. Por que?

Não posso reduzir a minha vida a rotina de insignificantes instantes? Lembro que quando criança, todos os dias ficava um bom tempo observando o espaço e me enchia de perguntas que até hoje não conseguir respostas. Ademais,voltar a olhar o céu irá me ajudar muito a entender o inferno que todos habitamos.

Estou de saída para almoçar. Eu vou a restaurante decifrar a posição das palavras. Restaurante é um observatório do amor. Divido os casais naqueles que sentam um ao lado do outro e os que ficam um na frente do outro. É um detalhe determinante da relação, como segurar as mãos da namorada como uma esponja ou entrelaçar os dedos.

Os que ladeiam a montaria das cadeiras não infundem paixão. São mais amigos do que amantes. Quase irmãos: mudos, telepáticos. Repartem igual perspectiva da paisagem. Não completam as observações, repetem as versões do lugar e do momento. É triste quando são abduzidos por um programa de tevê. Distraídos entre si, já se esgotaram, almoçam e jantam fora unicamente para comer. Optam por testemunhar a movimentação da sala ao mesmo tempo e na mesma hora. Não há a concentração no rosto da companhia. Dependem do que acontece externamente para encontrar assunto. Podem sussurrar e beijar com mais facilidade, mas são os que menos beijam e se acariciam. A proximidade dificulta. Conversam olhando para longe. Não há paredes de braços para confidências e angustiada aproximação do peito na quina para se ouvir. Não empurram a garrafa, os copos, o mal-estar e os arranjos para não perder a permanente perseguição das pupilas. Talvez conserve a dois a diagramação familiar completa (como se os filhos estivessem presentes), mas me incomoda a falta de provocação frontal, do desafio dos gestos, dos avanços das pernas debaixo da toalha.

Evocam desconhecidos em refeitórios de empresas, reunidos somente pela cadeira vazia e ausência de mesa própria. Retratam o cansaço no ônibus de passageiros retornando do trabalho. Chamam o garçom, aliviados, esticando a cordinha da parada. Descem em silêncio para seus problemas. Pertenço ao grupo que senta frente a frente. Faço um quarto com guardanapo. Aponto a faca e o garfo dependendo das frases. Existe uma oposição excitante. Fecho os segredos com os ombros. Estamos em público, entretanto reservados, íntimos, pessoais.

O restaurante flutua. Preservo a minha mulher para a troca de críticas e de ofensas. Não a salvo da demonstração do afeto. O desejo contraria o conforto. Todo beijo caminhará uma quadra de linho. Todo beijo é um noivado. Levantado, esparramado, escandaloso, atravessado, sobrevoando as travessas.

Por um instante, breve e memorável instante, a mesa conhece a vastidão da cama.

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