25 de fev. de 2008


A religião do Verbo e a pureza eliotiana frustrada
Toda filosofia pós-derrocada-das-últimas-fantasmagorias-metafísicas tenderia a estender a acepção heideggeriana "a língua é a morada do ser" para algo como "a língua é a morada, a origem e a finalidade do ser", instituindo assim a nova religião de neo-kantianos e wittgenstanianos de plantão. O principal mote destes novos fiéis, cujo tour-de-force consiste em transformar o deus do opúsculo em quintandeiro, e os major dilemmas em quimeras verbais , é a idéia de que só existe realidade dentro da linguagem, sendo qualquer inclinação para além dela considerada uma metaphysical delusion.
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A função de todo símbolo, portanto, que seria a de apontar para algo além dele próprio, se restringe a confluir para o símbolo hipersaturado da linguagem, que cria e absorve os efeitos de suas associações lógicas - uma espécie de metonímia de si mesma. O papel específico do logos parece ter sido reabsorvido pelo myhtos, transformando tudo em fabulação, e retirando a dimensão do desvelamento da realidade ao qual a linguagem se subordinava.
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A interiorização do Ser, a imanentização do eschaton, os adiamentos de significado, imantam todos de uma vez a "medida invisível" - responsável pela escalada dos graus de consciência - suprimindo-a em seu redomoinho. A insubordinação da linguagem e sua negação de que a realidade é algo que não ela própria, faz criar uma arbitrária teia verbal que joga com a própria crença de poder instaurar os mais diversos sentidos que lhe ocorra, fazendo um verdadeiro carnaval, tanto na linguagem das artes quanto da filosofia.
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Talvez o teor intelectualista da poesia de Eliot, seja resultado daquilo que ele dizia sobre a poesia não precisar ter comprometimento algum com a visão de mundo do autor, e que, para gostar de um poema, você não precisava necessariamente gostar da idéia contida no poema, isto é, a filosofia pode estar na poesia, mas como elemento estrutural, como "correlato objetivo". Concordo com reservas. É certo que a poesia não precisa ser filosofia e vice-versa, mas não porque elas se encerram em linguagens "puras", mas simplesmente porque utilizam os meios mais adequados para atingirem suas metas, o que não impede, oras, de a poesia ser sim, filosofia também, e a filosofia de estar expressa de uma forma mais poética: segundo Orígenes, é possivel atingir o mesmo gist por caminhos diferentes.
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Todos elogiam o fraseado de Eliot, mas a verdade é que ele não seria bom se a sua poesia em algum momento não deixasse de trair sua visão de mundo, daí que "a poesia não é um modo de libertar a emoção, mas uma fuga da emoção; não é uma expressão da própria personalidade, mas uma fuga da personalidade. É claro, porém, que somente aqueles que possuem personalidade e emoção sabem o que significa querer escapar delas".