13 de nov. de 2011

Tarso Genro analisa a crise econômica mundial


Em entrevista ao jornal Página/12, da Argentina, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), fala sobre a doença de Lula e manifesta convicção de que o ex-presidente superará sua enfermidade da mesma maneira que o fez a atual presidenta brasileira. Além disso, analisa a crise econômica mundial, defendendo que o Brasil está preparado para enfrentá-la em melhores condições que a maioria dos outros países. "O primeiro assalto do neoliberalismo mundial é o assalto aos direitos sociais e, agora, vergonhosamente, começa o assalto aos direitos políticos".

O dono da voz. Ainda que Lula praticamente não tenha pronunciado uma palavra desde que foi diagnosticado com um câncer na laringe há onze dias, sua autoridade política parece ter se fortalecido. “Lula já é um líder completo e total no Brasil, já alcançou um grau de popularidade que é quase unanimidade. A doença está desatando uma torrente de afeto e de afirmação da memória política do presidente”, pondera seu correligionário Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul, estado onde a presidenta Dilma Rousseff desenvolveu sua carreira política.

Página/12: Assim que os médicos manifestaram otimismo sobre a recuperação de Lula, reapareceram especulações jornalistas sobre a candidatura dele em 2014...

Tarso Genro: Até agora ninguém fez uma análise profunda do impacto, esperamos que seja uma questão passageira, que o presidente supere o problema como já o superou a presidenta Dilma (curada de um câncer linfático). Creio que ninguém no PT está analisando isso desde esta perspectiva. Espero que Lula permaneça sendo o ponto de equilíbrio do PT e siga sendo o maior líder popular da América Latina, em nossa opinião.

Página/12: Está descartado um terceiro mandato de Lula?

Tarso Genro: A volta do presidente não está influenciada pela doença, mas é certo que há uma torrente de solidariedade que pode abrir a possibilidade de ele voltar. Em minha opinião, Lula pode voltar, mas não para suceder a Dilma (em 2014). O presidente vai sair desta, tem muita saúde e se ele quiser voltar mais tarde (2018) será muito bem acolhido por nós todos, por toda a esquerda e inclusive pelo centro democrático.

Página/12: Qual sua análise sobre as comemorações do câncer que apareceram na internet?

Tarso Genro: O que se observa é que a doença de Lula causou duas reações em duas direitas. Há uma direita civilizada, que compartilha os princípios da democracia política, e outra direita mais fascistóide, que revelou nutrir um ódio de classe em relação a Lula, algo que já conhecíamos, e esse asco circulou por meio de algumas notas na imprensa e, principalmente, das redes sociais. Não há um pensamento unânime na direita.

Página/12: Dilma disse no G20 que o Brasil está em condições de suportar a crise, mas o PIB mostra uma desaceleração e fechará o ano abaixo de 4%.

Tarso Genro: Não tenho dúvidas de que essa crise europeia e, de modo mais geral, do capitalismo, não terá nenhum efeito no Brasil, no governo da presidenta Dilma e nos governos que o sucederem, se forem da mesma extração programática e ideológica que este. O Brasil não está exposto a um quadro como o da Grécia. É preciso compreender que o primeiro assalto do neoliberalismo mundial é o assalto aos direitos sociais e, agora, vergonhosamente, começa o assalto aos direitos políticos.

Quando o poder financeiro mundial reage ante à proposta de um referendo na Grécia e tutela politicamente o governo de Papandreu está impondo uma força normativa sobre a Constituição grega. Isso significa uma crise profunda no sistema neoliberal que se vê obrigado a fazer isso. Quando Dilma diz que não somos completamente imunes, ela faz uma advertência: nós não vamos dançar a dança que eles estão promovendo, não seguiremos seus ritmos, suas políticas, por isso temos políticas anticíclicas, com taxas de juros subsidiadas para as nossas indústrias, com políticas de promoção da agricultura familiar, aumento de salários, reforço do setor público. O Brasil tem que ser precavido porque o assalto aos países emergentes vai continuar.

Página/12: Qual o impacto da reeleição de Cristina em uma região que também sofre alguns efeitos da crise?

Tarso Genro: Creio que, nestas eleições, houve dois candidatos afinados em suas posições sobre a globalização, que são a presidenta Cristina e, pelo que conheço do debate, o candidato Binner. Creio que a vitória da presidenta fez justiça ao nível de confiança que ela conquistou entre os trabalhadores, setores médios e setores produtivos que sabem que a conexão com a globalização não deve ocorrer de joelhos. Creio que a vitória coincide com o sentimento que há hoje na América Latina de que nós devemos reforçar nossas relações continentais, ter um projeto de cooperação independente com a União Europeia, reforçar os Brics e promover reformas internas que distribuam renda gerando novos protagonistas e novas demandas, incluindo centenas de milhares de pessoas no mercado formal, no consumo, na educação e na saúde, de modo que essas pessoas se tornem cada vez mais exigentes. O caso da Argentina é muito interessante. O presidente Kirchner tomou medidas independentes, que não levaram em conta as recomendações do setor financeiro. Com isso, a Argentina se recuperou e voltou a conviver com o sistema financeiro mundial, porque ninguém existe sem conviver com esse sistema.

Página/12: O Brasil paga as taxas de juro mais altas do mundo. Isso pode tornar o país mais vulnerável diante das turbulências internacionais? O poder político ainda não conseguiu romper sua dependência do poder financeiro?

Tarso Genro: Isso é certo, o poder político ainda não conseguiu ser completamente independente do poder financeiro. A força normativa do capital financeiro é uma força tremenda, eu diria que é supraconstitucional, ela afeta os princípios jurídicos submetendo os países de diferentes maneiras. Nós sabemos que é preciso fazer concessões, mas sabemos quais serão nossos próximos passos para nos liberarmos dessa tutela e o governo de Dilma já começou a reduzir as taxas de juro. Isso é um sinal de uma postura de mais força frente às exigências do sistema financeiro global.

Página/12: Na América do Sul o debate sobre a democratização dos meios de comunicação está na ordem do dia. O Brasil se somará a essa corrente?

Tarso Genro: Esse debate está aberto no país. Há quem, desde a perspectiva de certos meios de comunicação, dizem que queremos controlar a comunicação. Isso pode ser ignorância ou má fé. Ignorância, porque o controle da imprensa está vedado na Constituição, e se a autoridade quisesse não poderia fazê-lo, e não fará isso. O Brasil é um país que adquiriu um nível de maturidade democrática. Pode ser má fé da parte de quem teme o direito à livre circulação da opinião, que não tem nada a ver com censura. O processo de circulação de opiniões na América Latina está controlado pelos proprietários dos meios de comunicação e, quando nós falamos de democratização, nos referimos ao direito de as pessoas, as classes sociais, os grupos, os partidos, os agentes sindicais tenham um acesso mais consolidado para fazer circular seus pontos de vista.

Dou um exemplo. Nós estivemos durante 30 anos submetidos pelos grandes meios à divulgação unilateral de ideias que diziam que as experiências políticas humanitárias igualitárias não existiam mais, que tudo seria mercado e neoliberalismo, e agora vemos, na verdade, que tudo isso era falso. Foram 30 anos de lavagem cerebral. Não queremos estatizar os meios de comunicação, nem impedir que as empresas obtenham lucro com a informação, queremos um sistema institucional que permita que as opiniões circulem com mais equilíbrio. Isso é o que está em jogo hoje no Brasil.

Darío Pignotii - Página/12.
Editado por Eri Santos Castro.
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