25 de nov. de 2013

Caco Barcellos e Ladislau Dowbor: O repórter e o economista

 Entrevista   Caco Barcellos e Ladislau Dowbor: O repórter e o economista   novembro   2013 2p.

Os olhos do jornalista Caco Barcellos se desviam da mata atlântica para focar no rosto do economista Ladislau Dowbor e indagar: “Para onde vamos após a morte?”. Professor universitário calejado, Ladislau, 67 anos, dispara: “Nossa energia vai para os milhões de bactérias e microrganismos que nos rodeiam, tem uma turma nos esperando! Somos uma forma transitória de energia. A matéria é, em última instância, um imenso vazio preenchido por tensões energéticas. O que é essa energia, não sei”, diz, referindo-se à mecânica quântica, que estuda o espaço existente entre os elétrons que circundam o núcleo atômico. “Aqui me sinto reflexivo”, justifica-se o professor de economia da PUC-SP, olhando para o parque Burle Marx, pedaço de floresta encravado no bairro paulistano do Morumbi. No cenário desenhado pelo paisagista que o batizou, aconteceu mais um encontro entre os homenageados do Prêmio Trip Transformadores 2009.
Sim, sinhô
De olho nas mesmas injustiças sociais, Ladislau as filtra sob o viés econômico e chama a atenção para a imprensa, que, para ele, não cobre devidamente a área: “Nas editorias de economia você encontra, basicamente, notícias sobre a cotação do dólar, as ações da Bolsa, é a economia de elevador”, afirma, antes de observar: “É lamentável que a imprensa não se importe com os problemas centrais. Veja a Cidade Tiradentes, periferia da zona leste de São Paulo, com 200 mil habitantes. Lá só tem 2.400 empregos. Aí, os moradores levantam às 4h30 e chegam em casa só à noite, por causa do transporte público ineficiente. Que vida é essa? Como você quer que os filhos sejam educados direito?”. Caco respalda: “O camarada gasta em média cinco horas por dia no trânsito, entre sua casa e o trabalho. Multiplicando por cinco dias, dá 25 horas por semana, quatro dias no mês, 48 dias no ano jogados fora.
  Entrevista   Caco Barcellos e Ladislau Dowbor: O repórter e o economista   novembro   2013 2p.
O professor aponta um rumo: “Precisamos de conscientização. O deslocamento da nave econômica consiste num jornalismo que aponte para os problemas-chave, para ver onde as soluções são possíveis”. Caco concorda: “Para quem a imprensa está falando? Quantos estão interessados no mercado de ações? A cobertura da economia é majoritariamente uma cobertura de encantamento com esse sistema de se obter lucro acima de qualquer coisa. E a mídia tem o papel de construir uma sociedade mais crítica, capaz de observar as injustiças claramente. Alguns fazem, mas é pouco”. Ladislau se recorda de anos atrás, quando trabalhava no Jornal do Comércio, em Recife: “Aquele povo perdido do interior de Pernambuco era realmente o ‘sim, sinhô’. Hoje em dia não. Estamos formando uma consciência mais crítica, as pessoas estão entendendo que isso tudo aqui está indo pro brejo”.
Ladislau não tem dúvidas de que a velha economia está com os dias contados e que a nova se desloca para sistemas centrados em conhecimento: “Quando você compra um produto hoje, não está pagando pela matéria-prima, pois 75% do valor se refere ao conhecimento ali incorporado”, diz. “Se eu divido meu conhecimento, não perco nada. Ao contrário, como a mobília dentro da sua cabeça é diferente da minha, gera outro pensamento criativo. Quanto mais circula conhecimento, mais todos enriquecem. Assim, a evolução para uma sociedade do conhecimento abre espaço para uma sociedade mais democrática.”   
Suíça ou Etiópia?
Determinado a destrinchar os conflitos sociais de nossa época, Caco estendeu seu trabalho como repórter investigativo a dois livros que desvendam a violência em nosso país: Rota 66, em que aponta a ação dos matadores da Rota – batalhão de choque da polícia militar de São Paulo –, e Abusado, obra em que conta a história do Comando Vermelho do Rio de Janeiro sob a ótica do traficante Marcinho VP. Recentemente, está à frente do Profissão repórter, programa no qual, além de tocar em feridas de grandes problemas nacionais no horário nobre da Globo, complementa a formação dos estudantes de jornalismo que participam da produção.
Mas de onde vem essa inquietação constante? “Venho de uma família muito simples, meu pai mantinha dois, três empregos para garantir a formação intelectual dos filhos. Senti na pele esse esforço para nos dar o mínimo de dignidade”, conta Caco. “Além disso, estou num país que tem uma pequena Suíça de um lado e uma grande Etiópia do outro. Qual o dever do jornalista? Cobrir só a Suíça? Ou a Etiópia? Ou as duas? Ou como prefiro: contar a história da maioria. E, infelizmente, no nosso país, a maioria está do lado aonde a cidadania não chega.”
Por motivos parecidos, Ladislau desenvolveu, com especialistas, novos indicadores de sustentabilidade de nações. Segundo ele, o PIB está defasado e fatores como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) precisam ser levados em conta quando se mede o crescimento de um país. “Meu detonador de atitude foi quando meu pai me convidou para comer uma lagosta, num restaurante. Da calçada, uma criança claramente esfomeada nos observava. Aquilo me deu um estado de evidência. Eu comer lagosta enquanto uma criança passa fome? Alguma coisa está errada”, relembra o professor, seguido por Caco: “O importante é ter em mente como poder ajudar. Ter o orgulho da altivez do gesto. A gente tem que se perguntar: o que deixei de legal? No que eu contribuo?”.
E você, professor, considera-se transformador? “Meu trabalho é analisar megatendências, apontar seus perigos e oportunidades, tornando-me instrumento para outras pessoas. Por isso coloco todos os meus textos no meu site. Minha retribuição é o sentimento de ter feito uma coisa decente, de isso ser reconhecido. O que mais posso querer da vida?”

Texto: Fernanda Danelon | Fotos: Bruno Miranda / Na Lata.

Sugestão de pauta: Gilberto de Castro.
Enviado por Eri Santos Castro.
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