19 de mai. de 2010

WR: que teu sono seja breve e de uma lucidez profunda

Walter Rodrigues foi um dos maiores polemistas da história da imprensa maranhense. Deixa um legado austero e contudente. Tive o prazer de dirigir a sua campanha para deputado estadual, pelo PDT, em 1992. Não obstante o desempenho eleitoral, num estado onde o poder econômico é fator determinante em política, fizemos uma campanha criativa e marcada pelo enfrentamento às questões que levam a maioria dos maranhenses à pobreza.Ultimamente não estava muito bem com Walter. Nossos diálogos estavam truncados, devido a sua insistência em defender uma aliança do PT com Roseana Sarney. Mas, isso seria coisa passageira.
Fique em paz e cotinue lutado por nós. Que o teu sono seja breve e de uma lucidez profunda. Reproduzo uma postagem do Kenard sobre o falecimento de Walter.

Acabo de chegar do velório de meu amigo Walter Rodrigues. Custa-me crer que ele morreu. Anteontem conversamos longamente – como sempre costumávamos fazer – ao telefone. Qualquer palavra é inútil, mesmo para quem fez delas profissão. É a confirmação de que a vida é um absurdo. O homem pode buscar amparo em todas as desculpas: na arte, na política, na vida amorosa, na amizade. Nenhuma lhe servirá de muleta.

Estava em casa, tomando minha segunda dose de uísque, quando o telefone toca. Era Luís Cardoso.
- Sabia que o Walter morreu?
Não sabia e não aceitei:
- Onde tu viste isso?
Cardoso:
- Na internet.
Retruquei:
- Deve ser mentira.

E antes que Cardoso respondesse, disse-lhe que iria telefonar para a casa do Walter. Foi a última vez que liguei para o número 3235-9616. Do outro lado atenderam. Perguntei, completamente zonzo:
- Quem fala?

A pessoa, naturalmente mais zonza do que eu, disse:
- Quem está falando?
Disse que era Roberto Kenard e quis saber com quem eu falava. Ela disse que era Rafaela, secretária de Walter. Criei coragem e falei:
- É que eu fiquei sabendo…
Perdi a força pra falar. Tomei fôlego e segui:
- É verdade o que fiquei sabendo?
Rafaela respondeu:
- É uma tragédia, mas é verdade.

Começamos a chorar e terminamos a ligação sem qualquer palavra.
As relações se banalizaram de tal forma, que qualquer expressão de sentimento, mesmo ante a morte, parece superficial. Quando não piegas.

Tenho segurança de que não deveria escrever agora, às 4h32, no calor dessa madrugada injusta. Mas sei que também é uma forma de pôr para fora uma dor sem adjetivação. Uma dor que, sem expressão, seria insuportável.

Não se trata apenas da morte de um amigo querido, com quem troquei confidências dois dias antes. É que a morte sempre me deixa a sensação de que a vida é vã. Inútil. Que todo esforço nos leva ao vazio profundo e sem remédio.

Conhecemo-nos em 1982. Eu, ainda um menino, formando-me em jornalismo, ele já um sujeito experiente na profissão. Conquistamo-nos imediatamente. Ele era o diretor de redação do Jornal de Hoje; eu, repórter. Com a saída do editor, fui indicado para cargo por ele, Walter. Meu primeiro cargo de chefia no jornalismo.

Logo depois fui morar em São Paulo e, na sequência, no Rio de Janeiro. Foram sete anos sem uma palavra. Mas a amizade estava lá, suspensa e intocável.
Nosso reencontro se deu por conta do texto que escrevi em defesa de Simone Macieira. Ele ligou para o jornal O Estado do Maranhão, onde eu trabalhava, para elogiar o texto e perguntar se eu tinha o livro, causador de minha resposta.

Com isso o leitor não pense que nossa amizade era medíocre. Longe disso. Discordávamos horrores, discutíamos acaloradamente. Até que chegávamos a um ponto em que o silêncio era o melhor conselheiro. Se nos encontrávamos no mesmo lugar, achávamos uma maneira elegante de sair sem causar ofensa ao outro. Se era ao telefone, inventávamos uma desculpa: o cansaço da labuta diária ou a mentira do sono.

Chegamos ao ponto de ficar algo em torno de seis meses a um ano sem trocar uma mísera palavra. Éramos inimigos. As razões eram as mais estapafúrdias. Walter chegou a dizer grosserias a meu respeito a amigos comuns. Mas fui o único ex-amigo – se é que ex-amigo é a expressão mais apropriada – que nunca recebeu uma linha contra. Na história da vida de Walter não há caso igual. Como na minha também. Nunca escrevemos uma linha contra o outro.

Tenho profundas dificuldades para falar de minha vida. No último telefonema puxei por alto a situação por que passo. A canalhice dos que pensei serem meus amigos. Mas imediatamente disse a ele:
- Vamos mudar de assunto, amigo não é para ouvir esse tipo de coisa.
Ao que ele me respondeu:
- Nada disso. Amigo é para essas coisas.

E se disse chocado com o que se passa comigo.
Mas, sobretudo, Walter tinha em mim, como eu tinha nele, a garantia do humor fino. Eu sabia que podia apenas insinuar para que ele compreendesse e caísse na risada.

Minha vida seguirá, mas é impossível dizer que será a mesma agora que nunca mais poderei ligar para o 3235-9616.

Sim, acrescentei um pouco mais de solidão a minha vida. Não por decisão minha. Essa Walter me deve.

Por Roberto Kenard.
Enviado por Eri Santos Castro.

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