7 de mar. de 2016

Pixuleco e Liberdade de Expressão

Na manhã e ontem, sábado, 05 de março de 2016, militantes do PT (Partido dos Trabalhadores) e da CUT (Central Única dos Trabalhadores) furaram e rasgaram um boneco do Ex-Presidente Lula, caracterizado como presidiário e amarrado a correntes com uma bola de ferro, tudo inflável. Entre outras coisas, chamou a atenção da presença da Polícia Militar que, chamada ao local não se limitava a conter o confronto dos militantes de lados opostos, mas interveio para prender um militante petista e atuou no sentido de garantir a “liberdade de manifestação” dos que caracterizaram Lula como presidiário.

É precisamente aqui que entra minha reflexão. Será que as liberdades democráticas autorizam a manifestação que prega a execração pública de alguém, atribuindo a esta pessoa o status de criminoso condenado e defendendo o cumprimento de uma pena degradante, acorrentado a bola de ferro?

Do meu ponto de vista não.

Nos últimos anos, temos visto muitas formas de manifestações preconceituosas, xenofóbicas, discriminatórias e até racistas realizadas sob o manto da “liberdade” de opinião, crença ou manifestação.

Porém, essas liberdades, garantidas constitucionalmente, têm, necessariamente, limites na própria Constituição e nas leis. Assim, a leitura do art. 5º, incisos IV, IX, XVI, tem que ser feita como desdobramento do contido na cabeça do mesmo artigo, e em outros dispositivos da Constituição. Assim, por exemplo, as liberdades constitucionais devem ser exercidas, mas tendo em conta o que diz o art. 1º, III – a proteção à dignidade da pessoa humana – e os objetivos da República, dentro os quais promover o bem de todos, sem discriminações ou preconceitos de qualquer natureza.

Pode um pastor, que discorda da devoção a Nossa Senhora, por acreditar que seria adoração a ídolos, chutar a imagem da santa? Para mim, a resposta é firmemente não! O direito de professar sua crença e expressar seu pensamento, não lhe dá o direito de atacar os símbolos de outras religiões. Esse excesso já implica discriminação e autoriza a reação do Estado.

É lícito a um cristão (evangélico ou católico) falar da macumba ou da umbanda, das religiões de matriz africana, como artes do demônio. Isso é democrático? Isso é protegido pela Constituição? Claro que não.

Podem os homofóbicos atribuir a comunidade LGBT a pecha de serem doentes, pedófilos ou desviados, claro que não!

Podem pessoas nascidas no sul do país, contrárias ao resultado eleitoral, dizer que nordestinos ou nortistas, são burros, miseráveis ou uma sub-raça, um tipo inferior ou rebaixado de seres humanos? Isso é liberdade de expressão? Nunca, em nenhuma democracia do mundo.

Podem manifestantes anti petistas inflar um boneco com a imagem do ex-presidente vestido de presidiário, acorrentado a uma bola de ferro, fazendo sua execração pública sem qualquer julgamento formal, pior ainda, sem que nenhuma acusação tenha sido apresentada contra o Lula em qualquer instância do Poder Judiciário? Isso está resguardado pelas liberdades constitucionais, penso que, da mesma forma como não se podem vilipendiar símbolos religiosos, não se pode discriminar pessoas em razão da sua orientação sexual, ou da sua origem geográfica ou em razão de suas raça, do mesmo modo não é democraticamente aceitável, nem constitucionalmente assegurado, que as liberdades políticas sejam confundidas com manifestações de ódio, ou de execração públicos.

É Biblico, Jesus impediu o apedrejamento da mulher acusada de adultério. A acusação bastava para o apedrejamento, o julgamento pela turba e a execução da pena de morte?

Nesse contexto, a reação indignada dos militantes do PT que rasgaram o “pixuleco” pode se equiparar à reação de um católico, indignado contra o vilipêndio à santa, ou dos nordestinos discriminados por uns poucos racistas do sul.

A liberdade de expressão, de manifestação ou de pensamento e crença, não autoriza a discriminação, o racismo, a violência física ou simbólica contra quem pensa de modo contrário, contra integrantes de outros partidos, igrejas ou grupos sociais.

Quando alguém é injustamente agredido ou ameaçado o direito prevê como possível uma reação proporcional ao agravo, imediata e suficiente para fazer cessar a ofensa. Essa é a motivação dos manifestantes que rasgaram o pixuleco, ofensa agressiva aos partidários do ex-presidente, entre os quais, evidentemente, eu me incluo.

As regras da democracia não toleram ameaças à própria democracia. Esse um dos mais expressivos limites à liberdade de manifestação e de expressão, contidos na própria Constituição. Convocar manifestações públicas e delas participar pregando “intervenção militar” (eufemismo cínico para o golpe de Estado), “morte ao PT e ao Lula”, a derrubada pura e simples da Presidente eleita democraticamente, são ações que desbordam em muito os limites do exercício das liberdades constitucionais.

A história é rica em exemplos. Todas as vezes que as democracias toleraram manifestações, partidos e organizações que atentavam contra a própria democracia, em todas essas ocasiões a ordem democrática ruiu e cedeu lugar a regimes totalitários.

Definitivamente, temos que defender a democracia contra o golpe. As regras do jogo, contra as viradas de mesa. A presunção de inocência contra acusações sem prova, julgamentos sem processo e execrações públicas. O direito à informação contra o monopólio das mídias. O direito a um Judiciário isento contra a espetacularização da Justiça.



Por Mário de Andrade Macieira
Advogado. Professor da UFMA. Ex-Presidente da OAB/MA.

Enviado por Eri Santos Castro.
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