RESUMO Em 1885, Verlaine (1844-96) escreveu a Mallarmé (1842-98)
pedindo dados para nova edição de "Les Poètes Maudits". A resposta aqui
publicada integra conjunto de 60 missivas de Mallarmé, traduzidas pela
primeira vez para o português para volume, ainda sem data, a sair pela
editora da Universidade Federal de Santa Catarina.
A Paul Verlaine.
Paris, segunda-feira 16 de novembro de 1885.
Meu caro Verlaine,
Estou em atraso com o senhor, porque procurei o que emprestei, um pouco de um lado e outro, ao diabo, da obra inédita de Villiers. Apenso, o quase nada que possuo.
Mas informações precisas sobre esse querido e velho fugitivo, não sei: mesmo seu endereço, ignoro, nossas duas mãos se reencontram uma na outra, como se separadas na véspera, na volta de uma rua, todos os anos, porque existe um Deus. A parte isso, ele seria exato no encontro e, no dia em que, para os "Hommes d'Aujourd'hui" tanto quanto para os "Poètes Maudits", o senhor quiser, indo melhor, encontrá-lo "chez" Vanier, com quem ele vai fazer negócio para a publicação de "Axël", nenhuma dúvida, eu o conheço, nenhuma dúvida de que ele esteja lá na hora combinada. Literariamente, ninguém mais pontual que ele: é então de Vanier que se pode obter de início seu endereço, de Monsieur Darzens que até agora o representou junto a esse amável editor.
Se nada disso acontecer, um dia, especialmente uma quarta-feira, irei encontrar o senhor ao cair da noite; e, conversando, virão à memória para um e outro detalhes biográficos que me escapam hoje; não o estado civil, por exemplo, datas etc., que só o sabem o homem em questão.
Passo a mim.
Sim, nascido em Paris, em 18 de março de 1842, na rua chamada hoje de
Passage Laferrière. Minhas famílias paterna e materna apresentam, desde a Revolução, uma linha ininterrupta de funcionários na Administração de Registro;2 e, ainda que tenham ocupado quase sempre altos cargos, me esquivei dessa carreira para a qual me destinavam desde as fraldas.
Encontro traço do gosto de segurar uma pena, para outra coisa além de registrar documentos, em muitos de meus ascendentes: um, sem dúvida antes da criação do "Enregistrement", foi síndico das livrarias sob Luís 16, e seu nome me apareceu sob o "Privilégio do Rei"3 colocado na apresentação da edição original francesa do "Vathek" de Beckford que reimprimi.4 Um outro escrevia versos brincalhões nos "Almanachs des Muses" e nos "Etrennes aux Dames". Conheci, ainda criança, no velho interior de burguesia parisiense familiar, M. Magnien, um primo em terceiro grau, que havia publicado um volume romântico descabelado intitulado "Ange ou Démon",5 que às vezes reaparece nas listas caras dos catálogos de livreiros que recebo.
Dizia, há pouco, família parisiense porque sempre moramos em Paris; mas as origens são borgonhesas, lorenas também e mesmo holandesas.
Perdi, criança, aos sete anos,6 minha mãe, adorada por uma avó que me criou, de início; depois passei por muitos pensionatos e liceus, com alma lamartiniana e com um desejo secreto de substituir, um dia, Béranger, porque o tinha conhecido em uma casa amiga. Parece que era complicado demais colocar em prática, mas tentei por muito tempo em cem caderninhos de versos7 que, se bem me lembro, me foram sempre confiscados.
Não havia como, o senhor o sabe, para um poeta, viver de sua arte, mesmo a rebaixando muitos graus, quando entrei na vida; e jamais me arrependi disso. Tendo aprendido inglês simplesmente para melhor ler Poe, parti aos 20 anos para a Inglaterra, a fim de fugir, principalmente; mas também para falar a língua e ensiná-la em um canto, tranquilo e sem outro ganha-pão necessário: eu havia me casado, e isso me apressava.
Hoje, lá se vão mais de 20 anos e, apesar da perda de tantas horas, acredito, com tristeza, que fiz bem. É que, além dos pedaços de prosa e de verso de minha juventude e sua sequência, que lhe fazia eco, publicado um pouco em todos os lugares, cada vez que aparecia o primeiro número de uma revista literária, sempre sonhei e tentei outra coisa, com uma paciência de alquimista, pronto a sacrificar a isso toda vaidade e toda satisfação, como se queimava em outros tempos seu mobiliário e os caibros do telhado, para alimentar o forno da Grande Obra. O quê? é difícil dizer: um livro, simplesmente, em muitos tomos, um livro que seja um livro, arquitetural e premeditado, e não uma antologia de inspirações do acaso, ainda que fossem maravilhosas... Iria mais longe, diria: o Livro, persuadido de que no fundo há apenas um, tentado ainda que insabido por quem quer que tenha escrito, mesmo os gênios. A explicação órfica da Terra, que é o único dever do poeta e o jogo literário por excelência: porque o próprio ritmo do livro, agora impessoal e vivo, até em sua paginação, se justapõe às equações deste sonho, ou Ode.
Aí está, caro amigo, o depoimento de meu vício, posto nu, que mil vezes rejeitei, o espírito entorpecido ou lasso; mas ele me possui, e eu talvez conseguirei, não fazer esta obra em seu conjunto (seria preciso ser não sei quem para isso!) mas mostrar dela um fragmento executado, fazer cintilar por um lugar sua autenticidade gloriosa, indicando o resto inteiro para o qual uma vida não é suficiente. Provar pelas porções feitas que este livro existe e que conheci o que eu não poderia completar.
Nada tão simples então quanto eu não ter tido pressa para recolher mil migalhas conhecidas, que de tempos em tempos chamaram a atenção de encantadores e excelentes espíritos, o senhor o primeiro! Tudo isso não tinha outro valor momentâneo para mim senão entreter minha mão: e qualquer sucesso que possa significar por vezes um dos [pedaços] para todos esses espíritos é muito justo se compuserem um álbum, mas não um livro.
É possível, entretanto, que o editor Vanier8 me arranque esses farrapos, mas só os colarei sobre umas páginas como se faz uma coleção de amostras de tecidos seculares ou preciosos. Com esta palavra condenatória, "álbum", no título, "Album de Vers et Prose", eu não sei; e conterá muitas séries, poderá mesmo continuar indefinidamente, (ao lado de meu trabalho pessoal que, creio, será anônimo, o texto ali falando de si mesmo e sem voz de autor).
Esses versos, esses poemas em prosa, além das revistas literárias, podem ser encontrados, ou não, nas "Publications de Luxe", esgotadas, assim como o "Vathek", o "Corbeau", o "Faune".
Precisei fazer, em momentos de incômodo ou para comprar dispendiosas embarcações, tarefas limpas, e aí está tudo ("Dieux Antiques", "Mots Anglais") de que não convém falar: mas à parte iso, as concessões às necessidades como aos prazeres não foram frequentes. Se em um determinado momento, contudo, desesperando do despótico livrinho destacado de mim mesmo, tenho, depois de alguns artigos divulgados daqui e de lá, tentado escrever sozinho, "toilettes", joias, mobiliário, e até aos teatros e menus de jantares, um jornal, "La Dernière Mode", do qual os oito ou dez números publicados servem ainda quando os desvisto de sua poeira para me fazer sonhar por bastante tempo.
No fundo considero a época contemporânea como um interregno para o poeta, que não tem absolutamente que se misturar com ela: ela está por demais obsoleta e em efervescência preparatória para que ele tenha outra coisa a fazer senão trabalhar com mistério em vista de mais tarde ou jamais e de tempos em tempos enviar aos vivos seu cartão de visita, estrofes ou soneto, para não ser mais perseguido por eles, se eles suspeitam que ele sabe que eles não têm lugar.
A solidão acompanha necessariamente essa espécie de atitude; e, além de meu caminho de casa (é 89, agora, Rue de Rome) aos diversos lugares onde devo o dízimo de dez minutos, liceus Condorcet, Janson de Sailly enfim Colégio Rollin, vago pouco, preferindo a tudo isso, em um apartamento ocupado pela família, a permanência entre alguns móveis antigos e queridos, e a folha de papel frequentemente branca.
Mas grandes amizades foram as de Villiers, de Mendès e, por dez anos, vi todos os dias meu querido Manet, cuja ausência hoje me parece inverossímil! Seus "Poètes Maudits", caro Verlaine, "À Rebours", de Huysmans, fizeram se interessar por minhas terças-feiras por muito tempo sem assunto, jovens poetas que nos amam (mallarmistas à parte); e acreditou-se em alguma influência tentada por mim, lá onde não há nada além de encontros.
Afinadíssimo, estive dez anos antes no lugar para onde espíritos parecidos deviam se voltar hoje.
Aí está toda minha vida despida de anedotas, ao contrário do que têm por tanto tempo repetido os grandes jornais, onde tenho sempre passado por estranhíssimo: perscruto e não vejo nada mais, os tédios cotidianos, as alegrias, excetuados os lutos internos. Algumas aparições em todos os lugares em que se monte um balé, onde se toque órgão, minhas duas paixões de arte quase contraditórias, mas cujo sentido refulgirá, e é tudo. Esquecia minhas fugas, assim que, por demais tomado pela fadiga do espírito, à beira do Sena e da floresta de Fontainebleau, em um mesmo lugar há anos: lá me mostro completamente diferente, tomado pela navegação fluvial. Honro o rio, que deixa se abismarem em sua água dias inteiros sem que se tenha a impressão de tê-los perdido, nem uma sombra de remorso. Simples passeador em ioles de acaju, mas velejador furioso, muito orgulhoso de sua pequena frota.
Adeus, querido amigo. Lerá tudo isso, anotado a lápis para deixar o ar de uma dessas boas conversas de amigos retirados e sem explosões de voz, o senhor percorrerá de canto de olhos e aí encontrará, disseminados, os alguns detalhes biográficos a escolher, detalhes que se sente a necessidade de ter em algum lugar vistos veridicamente.
Como lamento por sabê-lo doente, e de reumatismos! Conheço isso. Não use, só raramente, salicilato,9 e só o aceite da mão de um bom médico, a questão da dose é muito importante. Tive em outros tempos uma fadiga e como que uma lacuna de espírito depois dessa droga; e lhe atribuo minhas insônias. Mas irei vê-lo um dia e lhe dizer isso, levando um soneto e uma página de prosa que vou escrever por esses tempos, em sua intenção, qualquer coisa que vá, lá onde o senhor a colocar.10 O senhor pode começar sem esses dois bibelôs. Até mais, querido Verlaine.
Sua mão,11
Stéphane Mallarmé.
O pacote de Villiers está com o zelador: nem precisa ser dito que zelo por ele como por minhas ameixas! Está lá o que não se encontra mais: quanto aos "Contes Cruels", Vanier terá, "Axël" se publica na "Jeune France", e a "Eva Futura", na "Vie Moderne".12
A Paul Verlaine.
Paris, segunda-feira 16 de novembro de 1885.
Meu caro Verlaine,
Estou em atraso com o senhor, porque procurei o que emprestei, um pouco de um lado e outro, ao diabo, da obra inédita de Villiers. Apenso, o quase nada que possuo.
Mas informações precisas sobre esse querido e velho fugitivo, não sei: mesmo seu endereço, ignoro, nossas duas mãos se reencontram uma na outra, como se separadas na véspera, na volta de uma rua, todos os anos, porque existe um Deus. A parte isso, ele seria exato no encontro e, no dia em que, para os "Hommes d'Aujourd'hui" tanto quanto para os "Poètes Maudits", o senhor quiser, indo melhor, encontrá-lo "chez" Vanier, com quem ele vai fazer negócio para a publicação de "Axël", nenhuma dúvida, eu o conheço, nenhuma dúvida de que ele esteja lá na hora combinada. Literariamente, ninguém mais pontual que ele: é então de Vanier que se pode obter de início seu endereço, de Monsieur Darzens que até agora o representou junto a esse amável editor.
Se nada disso acontecer, um dia, especialmente uma quarta-feira, irei encontrar o senhor ao cair da noite; e, conversando, virão à memória para um e outro detalhes biográficos que me escapam hoje; não o estado civil, por exemplo, datas etc., que só o sabem o homem em questão.
Passo a mim.
Sim, nascido em Paris, em 18 de março de 1842, na rua chamada hoje de
Passage Laferrière. Minhas famílias paterna e materna apresentam, desde a Revolução, uma linha ininterrupta de funcionários na Administração de Registro;2 e, ainda que tenham ocupado quase sempre altos cargos, me esquivei dessa carreira para a qual me destinavam desde as fraldas.
Encontro traço do gosto de segurar uma pena, para outra coisa além de registrar documentos, em muitos de meus ascendentes: um, sem dúvida antes da criação do "Enregistrement", foi síndico das livrarias sob Luís 16, e seu nome me apareceu sob o "Privilégio do Rei"3 colocado na apresentação da edição original francesa do "Vathek" de Beckford que reimprimi.4 Um outro escrevia versos brincalhões nos "Almanachs des Muses" e nos "Etrennes aux Dames". Conheci, ainda criança, no velho interior de burguesia parisiense familiar, M. Magnien, um primo em terceiro grau, que havia publicado um volume romântico descabelado intitulado "Ange ou Démon",5 que às vezes reaparece nas listas caras dos catálogos de livreiros que recebo.
Dizia, há pouco, família parisiense porque sempre moramos em Paris; mas as origens são borgonhesas, lorenas também e mesmo holandesas.
Perdi, criança, aos sete anos,6 minha mãe, adorada por uma avó que me criou, de início; depois passei por muitos pensionatos e liceus, com alma lamartiniana e com um desejo secreto de substituir, um dia, Béranger, porque o tinha conhecido em uma casa amiga. Parece que era complicado demais colocar em prática, mas tentei por muito tempo em cem caderninhos de versos7 que, se bem me lembro, me foram sempre confiscados.
Não havia como, o senhor o sabe, para um poeta, viver de sua arte, mesmo a rebaixando muitos graus, quando entrei na vida; e jamais me arrependi disso. Tendo aprendido inglês simplesmente para melhor ler Poe, parti aos 20 anos para a Inglaterra, a fim de fugir, principalmente; mas também para falar a língua e ensiná-la em um canto, tranquilo e sem outro ganha-pão necessário: eu havia me casado, e isso me apressava.
Hoje, lá se vão mais de 20 anos e, apesar da perda de tantas horas, acredito, com tristeza, que fiz bem. É que, além dos pedaços de prosa e de verso de minha juventude e sua sequência, que lhe fazia eco, publicado um pouco em todos os lugares, cada vez que aparecia o primeiro número de uma revista literária, sempre sonhei e tentei outra coisa, com uma paciência de alquimista, pronto a sacrificar a isso toda vaidade e toda satisfação, como se queimava em outros tempos seu mobiliário e os caibros do telhado, para alimentar o forno da Grande Obra. O quê? é difícil dizer: um livro, simplesmente, em muitos tomos, um livro que seja um livro, arquitetural e premeditado, e não uma antologia de inspirações do acaso, ainda que fossem maravilhosas... Iria mais longe, diria: o Livro, persuadido de que no fundo há apenas um, tentado ainda que insabido por quem quer que tenha escrito, mesmo os gênios. A explicação órfica da Terra, que é o único dever do poeta e o jogo literário por excelência: porque o próprio ritmo do livro, agora impessoal e vivo, até em sua paginação, se justapõe às equações deste sonho, ou Ode.
Aí está, caro amigo, o depoimento de meu vício, posto nu, que mil vezes rejeitei, o espírito entorpecido ou lasso; mas ele me possui, e eu talvez conseguirei, não fazer esta obra em seu conjunto (seria preciso ser não sei quem para isso!) mas mostrar dela um fragmento executado, fazer cintilar por um lugar sua autenticidade gloriosa, indicando o resto inteiro para o qual uma vida não é suficiente. Provar pelas porções feitas que este livro existe e que conheci o que eu não poderia completar.
Nada tão simples então quanto eu não ter tido pressa para recolher mil migalhas conhecidas, que de tempos em tempos chamaram a atenção de encantadores e excelentes espíritos, o senhor o primeiro! Tudo isso não tinha outro valor momentâneo para mim senão entreter minha mão: e qualquer sucesso que possa significar por vezes um dos [pedaços] para todos esses espíritos é muito justo se compuserem um álbum, mas não um livro.
É possível, entretanto, que o editor Vanier8 me arranque esses farrapos, mas só os colarei sobre umas páginas como se faz uma coleção de amostras de tecidos seculares ou preciosos. Com esta palavra condenatória, "álbum", no título, "Album de Vers et Prose", eu não sei; e conterá muitas séries, poderá mesmo continuar indefinidamente, (ao lado de meu trabalho pessoal que, creio, será anônimo, o texto ali falando de si mesmo e sem voz de autor).
Esses versos, esses poemas em prosa, além das revistas literárias, podem ser encontrados, ou não, nas "Publications de Luxe", esgotadas, assim como o "Vathek", o "Corbeau", o "Faune".
Precisei fazer, em momentos de incômodo ou para comprar dispendiosas embarcações, tarefas limpas, e aí está tudo ("Dieux Antiques", "Mots Anglais") de que não convém falar: mas à parte iso, as concessões às necessidades como aos prazeres não foram frequentes. Se em um determinado momento, contudo, desesperando do despótico livrinho destacado de mim mesmo, tenho, depois de alguns artigos divulgados daqui e de lá, tentado escrever sozinho, "toilettes", joias, mobiliário, e até aos teatros e menus de jantares, um jornal, "La Dernière Mode", do qual os oito ou dez números publicados servem ainda quando os desvisto de sua poeira para me fazer sonhar por bastante tempo.
No fundo considero a época contemporânea como um interregno para o poeta, que não tem absolutamente que se misturar com ela: ela está por demais obsoleta e em efervescência preparatória para que ele tenha outra coisa a fazer senão trabalhar com mistério em vista de mais tarde ou jamais e de tempos em tempos enviar aos vivos seu cartão de visita, estrofes ou soneto, para não ser mais perseguido por eles, se eles suspeitam que ele sabe que eles não têm lugar.
A solidão acompanha necessariamente essa espécie de atitude; e, além de meu caminho de casa (é 89, agora, Rue de Rome) aos diversos lugares onde devo o dízimo de dez minutos, liceus Condorcet, Janson de Sailly enfim Colégio Rollin, vago pouco, preferindo a tudo isso, em um apartamento ocupado pela família, a permanência entre alguns móveis antigos e queridos, e a folha de papel frequentemente branca.
Mas grandes amizades foram as de Villiers, de Mendès e, por dez anos, vi todos os dias meu querido Manet, cuja ausência hoje me parece inverossímil! Seus "Poètes Maudits", caro Verlaine, "À Rebours", de Huysmans, fizeram se interessar por minhas terças-feiras por muito tempo sem assunto, jovens poetas que nos amam (mallarmistas à parte); e acreditou-se em alguma influência tentada por mim, lá onde não há nada além de encontros.
Afinadíssimo, estive dez anos antes no lugar para onde espíritos parecidos deviam se voltar hoje.
Aí está toda minha vida despida de anedotas, ao contrário do que têm por tanto tempo repetido os grandes jornais, onde tenho sempre passado por estranhíssimo: perscruto e não vejo nada mais, os tédios cotidianos, as alegrias, excetuados os lutos internos. Algumas aparições em todos os lugares em que se monte um balé, onde se toque órgão, minhas duas paixões de arte quase contraditórias, mas cujo sentido refulgirá, e é tudo. Esquecia minhas fugas, assim que, por demais tomado pela fadiga do espírito, à beira do Sena e da floresta de Fontainebleau, em um mesmo lugar há anos: lá me mostro completamente diferente, tomado pela navegação fluvial. Honro o rio, que deixa se abismarem em sua água dias inteiros sem que se tenha a impressão de tê-los perdido, nem uma sombra de remorso. Simples passeador em ioles de acaju, mas velejador furioso, muito orgulhoso de sua pequena frota.
Adeus, querido amigo. Lerá tudo isso, anotado a lápis para deixar o ar de uma dessas boas conversas de amigos retirados e sem explosões de voz, o senhor percorrerá de canto de olhos e aí encontrará, disseminados, os alguns detalhes biográficos a escolher, detalhes que se sente a necessidade de ter em algum lugar vistos veridicamente.
Como lamento por sabê-lo doente, e de reumatismos! Conheço isso. Não use, só raramente, salicilato,9 e só o aceite da mão de um bom médico, a questão da dose é muito importante. Tive em outros tempos uma fadiga e como que uma lacuna de espírito depois dessa droga; e lhe atribuo minhas insônias. Mas irei vê-lo um dia e lhe dizer isso, levando um soneto e uma página de prosa que vou escrever por esses tempos, em sua intenção, qualquer coisa que vá, lá onde o senhor a colocar.10 O senhor pode começar sem esses dois bibelôs. Até mais, querido Verlaine.
Sua mão,11
Stéphane Mallarmé.
O pacote de Villiers está com o zelador: nem precisa ser dito que zelo por ele como por minhas ameixas! Está lá o que não se encontra mais: quanto aos "Contes Cruels", Vanier terá, "Axël" se publica na "Jeune France", e a "Eva Futura", na "Vie Moderne".12
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