15 de nov. de 2011

Um Físico Escreve sobre Cesare Battisti

Nem sempre houve fascismo nem máfia, e nem sempre o poder papal, que se apossou “espiritualmente” de toda a península, reinou em todos os estados, alguns dos quais foram exemplo de iluminismo, secularidade e tolerância. Além de tudo, na Itália  floresceu o Renascimento, o Humanismo, o direito moderno e a política como mediação da busca da felicidade. Battisti sintetiza todo esse sentimento.

Esta matéria contém, após esta introdução minha, um artigo do físico italiano Franco Piperno, um importante dirigente da esquerda alternativa durante os anos 70 e atual especialista em física da matéria, sobre Cesare Battisti, a quem pouco conhece e do qual não é amigo pessoal, o que dá garantia de raciocínio isento. Hoje em dia, é difícil encontrar, nos países latinos, cientistas que se ocupem de problemas de direitos humanos, mas é muito interessante a colaboração entre o rigor e a objetividade do cientista, com a sensibilidade do ativista humanitário, como se encontra neste artigo.

Observando a vida pública italiana de nosso tempo, pode ser difícil imaginar que o país já teve a cultura mais interessante do planeta, cujos rastos sobreviveram dispersos e fragmentados, tanto nas propostas sociais e comportamentais da esquerda alternativa dos anos 70, como nas novas formas da excelente filmografia das últimas décadas, e em vários outros aspectos.
Mas, quando a Itália era uma região de estados independentes, unidos por alguns nexos culturais (entre eles, a língua), nela floresceu o Renascimento, o Humanismo, o direito moderno com o célebre Marquês de Beccaria, e uma abundância de arte e literatura que inspirou o maior escritor da história, William Shakespeare, a situar em Verona e Veneza quatro de suas melhores peças.

 Com efeito, antes da Galileu Galilei (1564-1642), a experimentação era uma curiosidade escondida nos porões de alguns “hereges” como Roger Bacon, que conseguiram florescer apenas em países como a Inglaterra, a Dinamarca, ou a Holanda. Antes da Galileu, a única ciência desenvolvida era a matemática, que não entrava em conflito com a Igreja porque não interferia na teologia cristã. (A astronomia clássica é, em grande medida, matemática aplicada e não uma ciência empírica.)

O apogeu da ciência italiana, preanunciado pela filosofia natural de Giordano Bruno e o universalismo de Leonardo da Vinci, foi atingido entre os séculos XVI e XVIII com os grandes matemáticos da escola de Cardano, e os físicos posteriores a Galileu, especialmente com os pesquisadores em fluídos como Torricelli. Entretanto, a furiosa perseguição do papado contra os novos hereges fechou não apenas as portas da Itália, mas também de quase todo o Mediterrâneo ao pensamento científico. Na Itália ficaram algumas grandes figuras, porém isoladas e sem possibilidade de formar escola, como os famosos Alessandro Volta e Luigi Galvani, concorrentes no desenvolvimento do eletromagnetismo.

Mas, a unificação não foi auspiciosa para os cientistas, e o fascismo muito menos. Quando, em 1938, o Duce adoptou a política racial do nazismo, alguns físicos e matemáticos judeus, como Federigo Enriques (Livornio, 1871-1946) e Beppo Levi (1875-1961), ou ainda outros casados com esposas judias, como Enrico Fermi (1901-1954), deveram exilar-se. Por sua vez, Bruno Pontecorvo (1913-1993), judeu e comunista, fugiu a Paris em 1936, depois aos EEUU, quando os nazistas atacaram a França, e finalmente, em 1950 à URSS. Das grandes figuras da física do século XX, Guglielmo Marconi foi um dos poucos que não sofreu perseguição. Com o fim do fascismo, as estruturas científicas modestas que ficaram, conseguiram recompor uma escola de físicos razoável.

Mas a violência política dos Anos de Chumbo, também afetou a ciência. Físicos italianos foram colocados sob suspeita por sustentar uma visão democrática e igualitária da sociedade. Não deve parecer esquisito, então, que este artigo apresente um pesquisador e professor de física que também fora um relevante dirigente de grupos autonomistas.
A repressão italiana dos anos 70 foi uma das mais violentas na história do país. A data de 7 de abril de 1979 está marcada na memória da esquerda italiana. Foi o dia em que o procurador de Padua, Pietro Calogero (n. em 1936, Messina), próximo do neo-stalinismo, fez uma grande blitz contra intelectuais. Entre eles estava o físico Franco Piperno, cujo trabalho sobre Cesare Battisti apresentamos neste post.

Por  Carlos A. Lungarzo.
Editado por Eri Santos Castro.
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