É possível que a afirmação cristã de que ao se perder a vida se a estará salvando, não esteja se referindo à dicotomia entre a mortalidade e vida eterna; é possível, talvez, que ela esteja omitindo aquém de seu sentido prestigiado, algum lamento anescatológico, céptico, a respeito da eternidade. Pois não é a negação desta vida que serve aos propósitos da eternidade, mas é a afirmação da eternidade que faz perseverar o apego à vida. A projeção de imortalidade, ou vida eterna, o "salto na fé" ou "existência autêntica", por apascentarem os imperativos persistentes da mortalidade real, continua a ser mero expediente para exaltar esta mesma existência mortal. Pois o último desdobramento da máxima "esquecer de si mesmo" só faz nos levar a vivenciarmos nós mesmos mais intensamente, mais egoticamente. Depois de perder a vida, a eternidade; depois de perder a eternidade, a vida.
Pode ser que a fé que teve que se expandir até os limites do Universo a fim de descobrir sua própria nulidade, mesmo quando deixa de ser, jamais consiga retraçar seu caminho de volta, mas por outro lado jamais abandonará também o seu molde original. Tal molde não se desligará da consciência, e como seu antigo esforço não pode ser anulado, recusa-se a não ser preenchido por algo, de maneira que o antigo conteúdo da fé é substituído pelo conteúdo de uma desolação serena que agora suspira pelo ameno, pelo agradável.
A fé no Todo, portanto, a fim de não ser desperdiçada, é transmutada numa gigantesca poesia do eu, onde a suspension of disbelief coleridgiana se torna não apenas um pacto ficcional, mas um técnica para a própria existência. Só é nobre aquele buscou a fé de forma sincera, e do mesmo modo, com a mesma sinceridade, perdeu-a. Pois não seria a fé algo mais nobre que a razão, e a fé perdida ainda mais nobre que a fé positiva? "Is there no change of death in paradise?" diz um verso de Stevens, cuja poesia pode ser lida como uma espécie de soteriologia prática, esse Wallace Stevens que converteu-se pouco antes de sua morte, decerto porque viveu como se imanentizasse o eterno no efêmero, e quando soube que morreria, quis reificar o efêmero no eterno. E ele tem razão, pois conforme o verso, se houver uma eternidade, esta não deverá será muito diferente da vida.
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