19 de fev. de 2008
O cordial por fora é o mesmo intolerante por dentro
Ao ridículo da atitude do sujeito 'denso' que esnoba as frívolas e banais alegrias da vida está a do sujeito hedonista que ridiculariza suas dimensões mais - caso vocês me permitam - fecundas. O segundo estará correto ao dizer ao primeiro que o sorriso de uma bela mulher vale muito mais do que 10 anos de filosofia alemã, porém o primeiro terá a seu favor o argumento de que seus 10 anos de filosofia alemã podem até ajudar a cativar uma bela mulher. Por mais ridícula que seja a grandiloqüência ingênua, mais ridículo ainda é o receio constante de que alguém perceba que em seu caráter reside uma dimensão que vá além da capacidade de fazer amenos e divertidos comentários sobre coisas simples e elegantes. O espertalhão super-ultra cool bem resolvido, que torce o nariz pra quem diz que lê Hegel, dizendo que pessoas inteligentes de verdade não lêem Hegel, é o mesmo cara que aprecia secretamente um arroubo sentimental excessivo lido numa elegia de Rilke, mas que publicamente apenas admite sua admiração pelo witticism britânico ( e se alguém perguntar se você está chorando você diz que foi um cisco).É engraçado como existe uma espécie de pacto subjacente com relação à restrição do uso de termos como, por exemplo, "condição humana", "vida interior" ou "sabedoria", os quais podem parecer deslocados dentro da sensibilidade moderna, que os acusa de indicar nada mais do que uma grandeza algo caricata, um sopro retardatário do ennui ou mal du siecle. Um escritor inteligente e ponderado, que tenha que enfrentar fatalmente alguns destes termos, talvez sinta a necessidade de fazer uso de certa justificativa, ou solução criativa a fim de não comprometer a eficácia de sua argumentação, como fez Eliot num certo ponto de seu ensaio sobre Goethe: "Receio que a palavra que estou prestes a pronunciar venha a surpreender muitos ouvidos como um anticlímax a esse exórdio(...)". Quando um certo tipo de linguagem começa a cair em descrédito, é sinal de que o sentido o qual ela designava com perfeição começa a perder sua significação. No caso da reação negativa à grandiloqüência dita caricata, talvez nem seja o caso de que tais palavras tenham perdido seu sentido, mas apenas assumido uma forma mais eufemística, adaptada à afetada sensibilidade moderna e sua despropositada suspeita do 'profundo'. Não se pode esquecer que o hedonismo sofisticado só é logrado por aqueles que possuem certo talento para o drama, e que a irreverência na maioria das vezes disfarça uma tocante tragédia pessoal, a qual, por inteligência e cordialidade se transforma, em público, em gentil espirituosidaE parece ser uma regra universal o fato de que quanto mais você sofistica o seu gosto, mais cordial você se torna por fora, e mais intolerante por dentro.
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