19 de fev. de 2008




















CONECTANDO O POETA RILKE
Fitando as grades seu olhar arrefecee
fora isso a nada mais se atém.
A ela: como se mil grades houvesse,
mil grades e nenhum mundo além.

A leve marcha de seu passo altivo,
o qual se move em giros que decrescem
Qual dança de força em torno a um alvo
em que um anseio, nobre, se entorpece

Às vezes se descerra o véu, silente,
de sua pupila,– onde uma imagem irrompe,
e através dos membros em tensão inerte
no coração, se interrompe.

Apesar de já existirem algumas tantas competentes traduções deste famoso poema de Rilke, resolvi assim mesmo humilhar-me em público e mostrar a minha.

Hoje em dia, é impossível não perceber algo de caricato no temperamento do homem Rilke: o estigma de 'poeta seráfico', o sentimentalismo exagerado das primeiras obras, a incapacidade de exercer atividades burocráticas, e toda esta atmosfera que se criou em torno da sua biografia, que antes me convence de que estamos lidando com um bebê chorão do que com um, oh, 'trágico expatriado", sendo que esta veneração incondicional do poeta por seu mestre Rodin, soa apenas como mais uma de suas futilidades poéticas. Seja como for, o bebê chorão Rilke é dos melhores poetas do século passado, e 'A pantera', dentre todos os poemas do mundo, é um dos que eu mais gosto.Como se estivesse realizando a tarefa de um escultor, Rilke opta por um sistema preferencialmente imagético, dentro do qual a descrição da pantera na jaula vai se ampliando de modo que, gradativamente, esta descrição abarque também os seus estados fisiológicos, engendrando a metáfora. Transcrevo aqui um trechinho do ensaio de Eliot "a música da poesia": "há poemas nos quais somos inebriados pela música e admitimos o sentido como correto, assim como há poemas nos quais prestamos atenção ao sentido e somos envolvidos pela música sem que disse nos apercebamos". Neste aspecto, a artesania brilhante de "A pantera" enquadra-se naquele segundo tipo de poema descrito por Eliot, justamente por 'neutralizar' a forma na imagem, e naturalizar a regularidade ritmica, métrica e sonora de maneira a dar a impressão de que na verdade não foi empregada uma forma fixa ali (pentâmetro iâmico). Se quiserem ver este efeito, é preciso ler o original ou uma tradução competente (a tradução do Augusto consegue com muito sucesso este efeito, mesmo que tenha que metaforizar algumas partes que no orginal são mais definidas. Na minha versão, ao contrário, a forma é mais pronunciada). De fato, "somos envolvidos pelo música sem o perceber", e ao final do poema temos o sentido claro diante de nós: a idéia do confinamento do homem à si próprio, e a visão efêmera do transcendente que o assalta de tempos em tempos, entre cujos intervalos é relegado à tensão decorrente de sua própria limitação. A perfeita harmonia entre forma e conteúdo pode ser ilustrada no último verso, que é o único a não obedecer o padrão métrico do restante do poema; suprime três pés, para coincidir com o momento em que a 'imagem deixa de existir no coração". Um dos aspectos presentes na maioria das traduções que eu li, modifica a perspectiva dos primeiros versos para a voz ativa, pois no orginial alemão "..ist vom Vorübergehn der Stäbe", não quer dizer "a pantera olha o passar das grades", e sim que "as grades passam pelo seu olhar", como se fossem elas que se movimentassem, e não a pantera - reforçando a idéia da passividade. (este recurso me lembra um comentário de Harold Bloom sobre um trecho da novela "Hadju Murad", na qual, para criar o efeito do movimento dos cossacos sobre os cavalos, Tolstoi descreve a passagem rápida das nuvens enquanto cavalgavam).


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