Programa da rádio Difusora usou repórter e vinheta do plantão de notícias. Resgatada em livro acadêmico, emissão completa 40 anos em outubro.
Manoel Pereira dos Santos foi o diretor técnico do
programa da rádio Difusora (Foto:Douglas Junior/G1)
programa da rádio Difusora (Foto:Douglas Junior/G1)
Não é difícil entender por que a versão maranhense da ficção "A Guerra dos Mundos" provocou tanto rebuliço em São Luís no dia 30 de outubro de 1971.
A própria tradição do Estado, dono de uma mitologia própria, ajudou a espalhar o pânico. Numa terra em que histórias de gigantescas serpentes adormecidas ou damas sem cabeça que vagam de carruagem se misturam no imaginário popular, as más notícias que vinham do rádio pareciam apenas confirmar a narrativa pessimista dos bisavós.
Além disso, o programa abusou de efeitos sonoros e ainda se apropriou da linguagem jornalística - isso, aliado ao fato de que a Difusora tinha muita credibilidade, fez com que os ouvintes tivessem certeza de que o estado estava sendo invadido por naves tripuladas por extraterrestres.
O momento é o mais dramático da representação, pois ao relatar o incêndio do objeto enquanto entrevistava um suposto cientista, Alves sai do ar e, apesar dos inúmeros apelos do locutor no estúdio, não dá mais sinal de vida - o que foi interpretado como a sua morte.
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Tudo isso ao som da vinheta que a Difusora usava normalmente quando
interrompia a programação normal. "O fato aconteceu, é notícia na
Difusora. A mais poderosa emissora do norte do Brasil" era o prefixo
que, naquele sábado, fez São Luís tremer de pavor.são de 25 minutos ao lado), vários ouvintes ligaram para a Difusora com a intenção de checar a veracidade dos fatos. "A telefonista estava instruída a dizer que se tratava de uma ficção, mas as pessoas simplesmente não acreditavam", relata Sérgio Brito, roteirista da adaptação.
Trilha sonora
Com a ajuda do sonoplasta José Ribamar Elvas Ribeiro, o Parafuso (que hoje tem 80 anos), Manoel Pereira dos Santos conseguiu dar ao programa o ritmo dramático que ele requeria. "Eu virava pro Parafuso e pedia 'agora me traz uma música para deixar as pessoas deprimidas' ou 'agora vamos fazer as pessoas chorarem', e funcionava", recorda Pereirinha.
Com o título "Fim do Mundo de Bacelar", o Jornal
Pequeno criticou o programa - a rádio Difusora era
propriedade de Magno Bacelar (Foto: Reprodução)
Pequeno criticou o programa - a rádio Difusora era
propriedade de Magno Bacelar (Foto: Reprodução)
O programa já havia começado com o música-título da novela "O homem que deve morrer", que tinha temática mística (tudo começava com uma estranha luz vinda do céu) e fazia muito sucesso.
Com o passar da encenação, e as notícias cada vez mais graves sobre a situação da Terra diante de uma iminente invasão alienígena, a trilha sonora usada por Pereirinha mudou para música clássica.
"Naquele tempo, o rádio só tocava música clássica em datas como o Dia de Finados ou se algo muito triste tivesse acontecido", relembra o diretor técnico da versão maranhense de "A Guerra dos Mundos".
Organizador do livro "Outubro de 1971", que reconstitui a história do programa com base em entrevistas de seus protagonistas, o professor Francisco Gonçalves da Conceição acredita que o pânico gerado pela emissão tenha relação com a chegada do homem à Lua, dois anos antes.
"A Lua é a morada de São Jorge, e o céu, a casa de Deus. De alguma maneira as pessoas vincularam a invasão de extraterrestres como uma reação ao fato de o homem invadir o espaço divino", afirma.
O professor Francisco da Conceição, organizador
do livro "Outubro de 1971" (Foto: Arquivo Pessoal)
do livro "Outubro de 1971" (Foto: Arquivo Pessoal)
A interpretação de que se tratava do fim do mundo ajuda explicar também por que não houve fuga em massa de São Luís. Apesar de a única saída terrestre estar "ocupada" por um nave espacial colocada pelo roteirista da adaptação, a cidade é uma ilha - há, portanto, diversos pequenos portos que poderiam propiciar uma fuga pelo mar.
Trancados dentro do estúdio, os protagonistas da histórica narração não tinham noção do que ocorria na cidade. Só mesmo após a chegada de uma patrulha do Exército - e a posterior lacração por três dias da rádio - é que eles tiveram noção do poder que tinham nas mãos. "É, provavelmente, o último indício do rádio como ordenador do tempo numa época em que a TV, cuja transmissão ainda não era em tempo integral, viria a se consolidar como o centro das atenções nos lares", explica Francisco.
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