Edith Maria Barbosa Ramos*
Tão logo a chapa "Para além da direita e da esquerda" venceu as eleições para o Centro Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão, encontrei um velho amigo e, muito entusiasmada com a participação efetiva dos estudantes nos movimentos da juventude universitária, destaquei que hoje os acadêmicos estão para além da direita e da esquerda.
Para minha surpresa, este velho amigo asseverou que para além da direita e da esquerda não representa qualquer mudança, mas simplesmente a afirmação da direita. Fiquei intrigada com esta afirmativa e resolvi reler as duas obras que certamente instigaram os estudantes a nomear a chapa vitoriosa.
De um lado está a obra Direita e Esquerda do italiano Norberto Bobbio e de outro a obra Para Além da Esquerda e da Direita do inglês Anthony Giddens.
Posso destacar que as palavras direita e esquerda foram cunhadas, ao menos como hoje se compreende, no universo político da Revolução Francesa e, embora, já se distancie mais de dois séculos deste período revolucionário a distinção entre os dois termos ainda suscita discussões.
Bobbio defende a dicotomia e dentre os argumentos que apresenta para a defesa da permanência da díade, destaco, ainda que para autor este argumento seja secundário, a complexidade da sociedade.
Para o liberal-socialista a complexidade da sociedade não é elemento suficiente para tornar inadequada a existência de duas partes contrapostas no universo político, afirma, ainda, o autor, que a distinção entre direita e esquerda não exclui posições intermediárias, ou seja, não elimina o Terceiro Incluído (uma posição de centro) ou o Terceiro Inclusivo (que tende ir além dos dois opostos e tem por objetivo englobá-los numa síntese superior).
O Terceiro Inclusivo apresenta-se, não raro, como uma tentativa de Terceira Via no debate político, qual seja, numa doutrina em busca de uma práxis. Sem rotulações, pode-se tentar enquadrar a proposta de Giddens nessa categoria de Terceiro Inclusivo, pois o sociólogo inglês propõe uma "política radical reconstituída, que recorra ao conservadorismo filosófico, mas que preserve alguns dos valores centrais que até agora estiveram associados ao pensamento socialista".
Para Giddens o conservadorismo filosófico consiste numa política de proteção, preservação e solidariedade. Na política radical, o inglês, destaca seis pontos de fundamentação, quais sejam: a preocupação de restaurar as solidariedades danificadas, a política de vida, a política gerativa, a democracia dialógica, a necessidade de repensar o welfare state e a essencialidade de tratar o problema da violência nas questões humanas.
De todos esses pontos, destaco a idéia de democracia dialógica que consiste numa forma de criar uma arena pública na qual os conflitos possam ser resolvidos e/ou abordados por meio do diálogo e não por mecanismos preestabelecidos de poder, em outras palavras, o sociólogo inglês propõe um processo de democratização a democracia. Na medida em que introduz a possibilidade de formas alternativas de participação para além do convencional processo eleitoral.
Giddens tenta elaborar uma síntese dos opostos, ou seja, superar a díade direita/esquerda. Em sua obra Para Além da Esquerda e da Direita, o autor, trata da dicotomia em comento, mas não se resume a essa temática. Para o sociólogo inglês a sociedade passou por profundas mudanças no último qüinqüênio, destaca, como fatores importantes, os processos como a globalização e a expansão da reflexibilidade social. Afirma que esses processos modificaram a configuração da vida política dos estados, colocaram em xeque paradigmas políticos que demarcaram a compreensão da sociedade e desencadeou como conseqüência a desintegração do socialismo, do conservadorismo e os paradoxos do neoliberalismo.
Observa-se que tanto Bobbio quanto Giddens trazem ao debate a questão da dicotomia direita/esquerda e compartilham o valor igualdade como fator pertinente para caracterizar a referida díade. No entanto, os autores divergem quanto ao valor dado às concepções de "direita e esquerda" enquanto mecanismos norteadores da elaboração de soluções para os problemas da sociedade.
O autor italiano ainda crê na díade (direita/esquerda) como instrumento de orientação para o cidadão e para a prática política. O autor da Terceira Via acredita que as velhas ideologias de direita/esquerda não oferecem respostas satisfatórias para o mundo hodierno e busca a formulação de um programa político que vá além da presente dicotomia.
No atual contexto político brasileiro qualquer discussão sobre a complexa afirmação de posições políticas (direita ou esquerda) passa antes pela necessária mudança das condições econômicas e sociais dos brasileiros, por meio de políticas públicas efetivas que priorizem a concretização dos objetivos fundamentais previstos no art. 3º da Constituição Federal. No entanto, a dicotomização parece dar lugar a um novo espaço político, menos polarizado e menos rígido, no qual diferentes grupos (não partidários e/ou apartidários) mesmo que não especificadamente políticos, desempenham um papel ativo na esfera política.
Ao meu velho amigo, o instigador da presente reflexão, espero que os elementos aqui apresentados ponham na arena pública a presente discussão e que o diálogo construído forneça subsídios para as mudanças necessárias nos diversos ambientes políticos que atuamos.
*Por Edith Maria Barbosa Ramos- Professora e Chefe do Departamento de Direito da UFMA. Advogada do Escritório Edson Vidigal Advogados e Consultores.
Enviado por Eri Santos Castro.
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