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30 de ago. de 2009

Revolução 1989: A Queda do Império Soviético

Nos novos livros escolares russos, Gorbachev é mal mencionado.
No mundo ele é um ícone.
Mikhail Gorbachev foi o primeiro líder soviético nascido após a revolução bolchevista. A sua região no norte do Cáucaso sofreu terrivelmente com as ondas de fome provocadas pelo regime na década de 1930. No início ele foi protegido do pior: o avô materno de Gorbachev, um comunista antigo, chefiava a fazenda coletiva local. Mas após o grande expurgo stalinista de 1937, o seu protetor foi preso sob a acusação de ser um "contra-revolucionária direitista e trotskista", e durante 14 meses os familiares de Gorbachev viveram na condição de párias, até o avô retornar da cadeia. Gorbachev aprendeu a se conformar. Ele ficou conhecido como um mestre da arte da bajulação, em uma burocracia na qual a subserviência era tudo.

Em maio de 1985, dois meses após assumir o poder, dois termos que ficaram para sempre associados à era Gorbachev entraram pela primeira vez no léxico político. Perestroika e Glasnost tornaram-se palavras-chaves globais, mas em russo elas tinham definições específicas. Quando Gorbachev as utilizou elas significavam exatamente aquilo que ele decidiu que significavam. No início, Perestroika - ou "reestruturação" - significava um processo de reformas modestas para melhorar a disciplina no local de trabalho. Gorbachev introduziu apressadamente um conjunto de medidas enérgicas para possibilitar que as empresas mostrassem mais iniciativa e implementassem algumas mudanças no processo de distribuição de produtos. Ele removeu dezenas de burocratas corruptos que representavam a "era da estagnação". Ele implementou medidas no sentido de injetar um pouco mais de democracia no sistema, ao reorganizar as listas eleitorais, mas isto ainda dentro de um Estado de partido único.

Mas nada disso foi revolucionário. Após quatro anos no poder ele tomou uma medida radical: Gorbachev permitiu a realização de uma eleição para o Congresso dos Representantes do Povo - teoricamente o mais importante órgão legislativo do país. E, embora assegurando-se que haveria uma maioria de comunistas, ele permitiu a eleição de alguns críticos. Gorbachev falava bastante sobre democracia, mas ele jamais se arriscaria a se submeter a uma eleição.
Ele desejava "reestruturar" tudo, mas sem tocar nas bases do sistema.

A Glasnost, ou "abertura", também foi um autêntico banquete móvel. Ela começou cautelosamente mas, conforme temiam os seus críticos conservadores, assim que os jornalistas foram encorajados a publicar matérias sobre autoridades incompetentes, sobre uma subclasse criada pela pobreza maciça nas cidades do interior ou a respeito da supressão de movimentos nacionalistas e dissidentes, ficou difícil controlar o processo.
A Glasnost teve efeitos muito mais radicais - tanto na União Soviética quanto nos Estados satélites do "exterior próximo" da Europa Oriental - do que se esperava. É preciso dar-lhe crédito por ele não ter feito nada para conter o processo ou reprimir a mídia.

Gorbachev era capaz de inspirar intensa lealdade e admiração pela sua visão, intelecto e sinceridade. As suas ideias e instintos baseados em um "quadro maior" eram decentes e honestos, ainda que se baseassem em uma análise equivocada. Ele desejava normalizar as relações com os Estados Unidos e a Europa, abolir o risco de uma guerra entre o leste e o oeste, reduzir os gastos militares e melhorar a economia doméstica na União Soviética. Será que tem importância o fato de que ele acreditava que tudo isso ajudaria a fortalecer o comunismo? Pouco após assumir o poder, ele e os seus principais assessores, e especialmente o principal apóstolo da Perestroika, Alexander Yakovlev, chegaram à conclusão de que os países do Pacto de Varsóvia representavam mais um fardo do que uma vantagem.

Mas ele jamais apresentou uma estratégia consistente para se desfazer desse peso. Por que os soviéticos abriram mão do seu império de maneira tão pacífica, praticamente sem nenhuma lamúria? E por que isso ocorreu em apenas alguns meses ao final da década de 1980?

Três dos fatores mais importantes são aqueles menos mencionados, certamente nos Estados Unidos e na Europa, talvez porque eles não enfatizem o papel desempenhado pelos papas, presidentes e primeiros-ministros ocidentais. Essencialmente, os europeus orientais libertaram-se a si próprios. Mas, entre as razões pelas quais eles encontravam-se em condições de fazer tal coisa estão a derrota soviética no Afeganistão, a debilitante dívida externa enfrentada pelos regimes comunistas do Pacto de Varsóvia e a queda drástica dos preços do petróleo durante a década de 1980. Todos esses fatores praticamente levaram a União Soviética à falência. Gorbachev estava reagindo a esses acontecimentos tanto quanto à necessidade de firmar acordos geopolíticos com os norte-americanos.

O Ocidente tornou-se um grande foco de atração para Gorbachev - não apenas em termos geopolíticos, mas também pessoalmente. Ele detestava preparar-se para viagens às capitais do Pacto de Varsóvia, mas ficava entusiasmado nas reuniões de cúpula em Londres, Paris ou Roma. Ele foi seduzido pela "Gorbymania" dos anos oitenta. Gorbachev estava entediado das discussões com autoridades governamentais estúpidas do Politburo em Praga. O que eram essas pessoas, quando comparadas a uma desfile de carros oficiais pela Quinta Avenida, em Nova York, saudado por norte-americanos que agitavam a bandeira soviética e empunhavam cartazes que diziam, "Abençoado é o Pacificador"?

Gorbachev jamais teve planos nem para se retirar da Europa Oriental, nem para preservar o poder soviético lá. Ele imaginava que seria capaz de encorajar "mini-Gorbachevs" a substituírem os ditadores idosos e incompetentes tão odiados pelo povo. O seu grande erro de cálculo, algo em que ele acreditava até mesmo enquanto o Muro de Berlim caía, foi achar que esses países optariam por permanecer na órbita socialista. Mas ele já tinha tomado havia muito tempo a decisão de não usar a força para preservar o império.

Tal atitude foi presenciada apenas no caso de pouquíssimas outras figuras históricas. De acordo com os seus próprios parâmetros, Gorbachev foi um fracasso. Ele acreditava que poderia salvar o comunismo. Era um patriota de um país que deixara de existir enquanto ele estava no comando. Ele é repleto de contradições, como homem e como figura histórica - e a maior delas é que Mikhail Gorbachev será lembrado como sendo um grande homem pelo fato de ter fracassado.
Enviado por Eri Santos Castro.

*Victor Sebestyen é autor do livro "Revolução 1989: A Queda do Império Soviético

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