13 de fev. de 2008

Por que o Brasil visto de fora é diferente do Brasil que a mídia nacional fala?

São reconfortantes as análises, cada vez mais abundantes, divulgadas por periódicos estrangeiros sobre os bons resultados sociais e econômicos alcançados pelo Brasil sob o governo Lula, em contraste com o que é noticiado, em geral, pela grande mídia nacional. “Brazil’s Progress” é o título da matéria publicada ontem no jornal Financial Times, de Londres, enquanto a revista britânica The Economist estampava novamente uma reportagem sobre o Bolsa Família, um programa social do governo brasileiro que “está ganhando adeptos em todo o mundo”.
Muito provavelmente um historiador futuro terá de se debruçar sobre textos em inglês se quiser entender com precisão o que ocorre no Brasil dos dias atuais, para compensar a escassez de material noticioso de fontes nacionais. Assim é que, por feitos e malfeitos da grande mídia, em geral, que parece operar sob censura auto-imposta, nos encontramos na situação paradoxal de estarmos experimentando, sob pesado silêncio, a maior transformação social e econômica das últimas décadas.
O Brasil cresce há 23 trimestres consecutivos — o ciclo mais longo de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) desde o início dos anos 80. Um tal desempenho perde apenas para o “milagre” dos anos 70. Isso, porém, não é tudo: o atual ciclo difere qualitativamente dos anteriores por combinar expansão do investimento e do consumo com justiça social. E não há como dissociar um tal desempenho da orientação estratégica do governo Lula e do programa do Partido dos Trabalhadores. O aumento simultâneo de crédito, da renda e do emprego tem permitido às famílias manter seu consumo em elevação há pelo menos quatro anos.
Essa tríplice combinação de PIB em crescimento, ampliação da capacidade produtiva e expansão da demanda interna com inclusão social – amparada por contas externas sólidas e inflação sob controle – faz os analistas estimarem que esse ciclo pode sustentar-se por muitos mais trimestres, embora se reconheça que o ritmo do crescimento está aquém do obtido por outros países emergentes como China e Índia.
As expectativas para 2008 são as mais otimistas das últimas décadas, em que pese o risco de recessão da economia americana e seu impacto sobre o crescimento mundial. Em entrevista ao jornal Valor Econômico (11/02/2008), Geraldo Langoni, ex-presidente do BC, corrobora a opinião de outros analistas ao afirmar que o Brasil nunca esteve tão preparado para enfrentar uma turbulência externa. A crise da dívida, deflagrada há 26 anos, acabou sob o governo Lula. “Dentro de mais 30 dias, provavelmente em março, acontecerá algo emblemático: o Brasil terá reservas internacionais acima do total da dívida externa pública e privada... Mesmo que tenhamos um déficit em conta corrente em 2008, ele será facilmente coberto por capitais de longo prazo (investimento direto), que devem cair de US$ 34,7 bilhões, em 2007, para US$ 25 bilhões neste ano, ainda assim equivalente a 2,5 vezes o déficit projetado”.
O balanço de pagamentos deixou de ser um problema. A demanda doméstica e as importações podem agora crescer com vigor, como tem ocorrido, sem onerar as contas externas. Ao exportar mais, o País pôde passar a importar mais, permitindo que a demanda interna cresça firmemente sem pressionar a inflação. As importações de bens de capital estão entre as que mais crescem, sustentando a ampliação da capacidade produtiva das empresas, para atender à expansão do mercado interno, convertido em locomotiva do crescimento. De janeiro a agosto do ano passado, as importações de bens de capital aumentaram 33%. Em janeiro deste ano, as importações como um todo cresceram 45,6% (um dado “impressionante”, na avaliação de Langoni) em relação ao mesmo mês de 2007.
Impulsionada pelo vigor do mercado interno, a produção da indústria cresceu 6% em 2007, segundo o IBGE. É o melhor desempenho desde 2004 (8,3%). O resultado corrobora as expectativas de expansão do PIB superior a 5% em 2008 e está diretamente ligado ao aumento da demanda doméstica, estimulada pelo maior volume de crédito e melhoria do mercado de trabalho, com a expansão da renda e do emprego, que geraram o aumento do consumo.
O investimento em firme expansão é a característica mais celebrada do atual ciclo de crescimento pelos analistas econômicos — crescimento de cerca de 10% em 2007, seguindo-se ao avanço de 8,7% de 2006 — para o que contribuiu a queda consistente dos juros reais, embora ainda em patamares estratosféricos, num cenário de inflação baixa e controlada. O setor privado é o motor que puxará os investimentos em infra-estrutura nos próximos quatro anos, sendo responsável por 60,5% do capital a ser aplicado na construção de ferrovias, estradas, estações de tratamento de água e esgoto, hidrelétricas e mineração. Perfazem R$ 82,7 bilhões.
O BNDES, principal fonte de financiamento de longo prazo em moeda doméstica, liberou R$ 65 bilhões no ano passado, um aumento de 24% na comparação com o ano anterior. O bom desempenho do banco foi impulsionado pelos projetos em infra-estrutura, que somaram R$ 25,6 bilhões, expansão anual de 62%. Esse desempenho deverá prosseguir. Os desembolsos projetados para 2008 atingem R$ 80 bilhões. Na área de saneamento básico — um dos setores prioritários do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)—, um levantamento preliminar do Ministério das Cidades indica investimentos superiores a R$ 16,7 bilhões em obras de saneamento até 2010. São informações bastante auspiciosas.
O consumo das famílias também apresenta um desempenho “chinês”, impulsionado em grande parte pela expansão, a uma velocidade inédita, do crédito. Com juros menores e prazos cada vez maiores, o volume de crédito (empréstimos e financiamentos) aumentou R$ 200 bilhões em 2007, mais de R$ 1.000 por habitante, recorde histórico. Em razão dos empréstimos, as vendas de automóveis e a construção civil, entre outros setores, superaram todas as marcas de produção e vendas do passado. A expansão do crédito foi o principal propulsor do crescimento econômico em 2007.
Mais importante que a expressividade dos números, é de observar que o atual ciclo rompeu com o padrão de arrancadas e freadas que predominou a partir de 1980, porque foram corrigidos ou atenuados os principais problemas macroeconômicos do País. Nos ciclos anteriores, o próprio crescimento acentuava os desequilíbrios externos, inflacionários ou fiscais, o que levava a crises. Desta vez, o quadro é totalmente outro. Há muito que avançar, sem risco iminente de que a fase atual de expansão seja detida no médio prazo.
A aceleração do crescimento, associada à redução da taxa de juros real (que caiu de 12% no fim de 2006 para menos de 7% em dezembro de 2007), teve efeitos benéficos sobre as finanças públicas. Assim, o aumento das receitas do governo, resultante da expansão econômica, permitiu a redução na relação dívida publica/PIB, de 44,4% no início de 2007, para 42,6% em novembro de 2007, a despeito da elevação concomitante do gasto público – para estupefação da oposição neoliberal. Assim, o efeito virtuoso do crescimento sobre as finanças públicas permitiu ao governo federal melhorar as condições de solvência fiscal e ao mesmo tempo aumentar o gasto público, sobretudo na área social e na melhoria da infra-estrutura. É inegável, portanto, a diferença entre a política fiscal de FHC e a de Lula, uma vez que esta combina de maneira pertinente equilíbrio fiscal com aumento do gasto público.
Mas o que mais chama atenção dos analistas estrangeiros é o êxito do governo Lula na área social, especialmente a redução da pobreza. Dados da Pesquisa por Amostra de Domicílios (Pnad) revelam que o número de brasileiros abaixo da linha da pobreza caiu 15% em 2006, “o melhor resultado em dez anos”, na avaliação de Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia - órgão da FGV. A proporção de pessoas abaixo da linha de pobreza, que era de 22,77% em 2005, recuou para 19,31% — um marco histórico. Em 1993, antes da estabilização da economia, ela havia atingido 35%. Isso significa uma queda de 45% nesse espaço de tempo”, afirma Neri.
Como resultado do crescimento econômico e dos programas sociais do governo Lula, nos últimos quatro anos 14 milhões de pessoas saíram da linha da pobreza. Observe-se que cerca de 36 milhões de brasileiros ainda se encontram abaixo da linha. Daí a necessidade se intensificar os programas sociais, consoante o novo padrão de políticas públicas, não assistencialista e integrador.
Em 2003, o orçamento elaborado pelo governo anterior destinava cerca de R$ 7 bilhões para programas sociais. No governo Lula, os investimentos saltaram para R$ 14,3 bilhões em 2004; R$ 18 bilhões em 2005; R$ 21,6 bilhões em 2006 e R$ 24,9 bilhões em 2007. A expectativa é que os recursos se elevem a R$ 28,5 bilhões em 2008. O número de beneficiários do Bolsa Família atinge 45,8 milhões, e o programa é responsável por 40% da redução da desigualdade social.
Segundo Neri, a pesquisa do Pnad mostra também um crescimento da renda domiciliar per capita (descontado o crescimento da população) de 9,16% — “resultado mais próximo ao de um crescimento chinês”. As análises da Pnad pela FGV indicam ainda que, do ponto de vista da distribuição de renda, os 50% mais pobres tiveram a sua participação nas riquezas do País elevada em 12%, enquanto os 10% mais ricos em 7,8%, em 2006.
Mantém-se assim o compromisso do governo Lula pela redução dos índices de desigualdade e a distribuição de renda, iniciada a partir da recuperação da recessão verificada em 2003. “Isso significa que o bolo continuou a crescer para todos, mas com mais fermento para os mais pobres. Os indicadores sociais baseados na renda são os melhores dos últimos dez anos. Desde o boom do Real que não se via melhora tão acentuada”, afirma Neri.
Mas são os indicadores do emprego que expressam de forma mais eloqüente o acerto do governo Lula em se distanciar das políticas neoliberais adotadas pelo governo FHC. À medida que o Brasil vai se distanciando da visão neoliberal, o emprego assalariado volta a crescer, pondo a nu o falso mito de que o aumento do salário mínimo acarreta elevação do desemprego (fechamento de empresas) e da informalidade nas relações de trabalho e queda do salário real. Percebe-se, ao invés, que a recuperação do valor real do salário mínimo no governo Lula vem acompanhada da estabilidade dos preços, queda do desemprego e da informalidade.
Da mesma forma desnuda-se o mito de que a legislação social e trabalhista seria um entrave à expansão do emprego. Como observa Márcio Pochmann, presidente do Ipea, “desde o afastamento do assédio liberal-conservador, o mercado de trabalho reage menos desfavoravelmente aos trabalhadores. Não somente o emprego formal é o que mais cresce no País desde 2003 (4% em média ao ano) como também permitirá ultrapassar o estágio atingido pelo mercado de trabalho na década de 1980, desde que a economia continue a perseguir o ritmo de expansão superior a 5% ano”.
Eis a imagem que se tem do Brasil visto em inglês.

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